No dia 23 DE SETEMBRO DE 2012 Manoel José de Almeida completaria 100 anos. Deixei aqui seu recado, sua história, ou uma lembrança de momentos que teve ao lado dele.
quinta-feira, 15 de março de 2012
Comentários, mensagens e manifestações
lindo seus depoimentos, vc expressou com o coração de criança
e jovem/adulto. Lembro-me de um discurso proferido por seu pai, aqui, na
faculdade, foi aplaudido de pé, pela capacidade e inteligencia.
Bjs
Vania
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QUE BELEZA. PARABÉNS. UMA HOMENAGEM A UM HOMEM QUE MERECE! COM CARINHO DA COSETE
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Oiii Claudio!!
Que legal os preparativos para essa celebração tão especial!
Pena que o anexo com o selo não chegou aqui...
Que Jesus abençoe vc e toda sua família!
Abraços,
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Claudio queridooooo!!! Quantas saudades!!!!
Nossa, faz tempo que a gente nao se fala!
Esta tudo bem por ai, contigo?
Que maximo essa comemoracao!!! Eh o centenario do seu pai, nao eh?
Quero te dizer que fiquei muito feliz por voce estar compartilhando comigo este evento especial da sua familia. E parabens ao ilustre Manoel Jose de Almeida!!! Gostaria de conhecer um pouco da historia dele.
E a sua maezinha, como ela esta? Deve estar animada com a homenagem. E voce, o que tem feito????
Precisamos nos falar, de preferencia ao vivo e a cores, ne, Claudio.
Voce me manda noticias assim que puder? A ultima vez que nos falamos foi no seu niver, quando te liguei.... afff, mas parece que foi ontem, voce esta sempre no meu coracao, viu.
Um beijaooooo enorme e ate ja!!!!
Rica Osawa
quarta-feira, 14 de março de 2012
segunda-feira, 12 de março de 2012
Depoimento de Cláudio Antônio de Almeida
A VACA BORBOREMA
Eu jamais esperaria que
meu pai (MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA),
entrasse numa loja e comprasse um presente pra mim. Não só porque ele
não
levava jeito para a coisa, como o tempo dele era voltado para o
trabalho. Tanto
em Minas, quanto em Brasília, era inimaginável pensar que meu pai sairia
com
minha mãe, ou mesmo sozinho, e entrasse numa loja, e escolheria um
presente
para dar para uma pessoa. Nunca presenciei, nem jamais soube dessa acontencência.
As vezes ele
cometia umas delicadezas, que chegavam a assustar. Passando numa loja
para
comprar ração para animais, começa a olhar as coisa ao
redor e vê um machado. Sim, um machado. E não é que ele aparece na minha
casa com um machado e me
presenteia. O machado em si não teve muita importância pra mim, mas o
cartão
que o acompanhou foi uma obra de arte. Uma dedicatória linda, explicando
a
importância do machado na lavoura, para o lavrador, enfim, passei a ver,
a
partir daquela data, o machado com um olhar diferente. Não só um
instrumento de
cortar árvore, mas algo que dá um alento ao homem do campo. É um
instrumento de
apoio ao homem. Eu ainda tenho esse machado. Troco sempre o cabo, mas o
machado, sempre amolado, continua exercendo parte das prerrogativas que
meu pai
lhe atribuiu, em minha casa.
Mas surgiu um
aniversário, de um dos meus irmãos. Não era o meu. Minha mãe preparou o
bolo,
os doces, etc., alguns convidados e a cantoria. Minha mãe, sempre
prestigiou o
Lamartine Babo, de quem privou amizade, quando o poeta/cantor esteve na
terra
dela – Boa Esperança, e fez aquela linda melodia: Serra da Boa
Esperança.
A música começa assim: “Saudemos o grande dia, que ele (a) hoje
comemora,
seja casa onde mora, a morada da alegria, o refúgio da ventura, ..
E por ai vai. E
essa música faz parte do folclore musical dos aniversários de todos da
família. Todos entregavam seus presentes e
meu pai, sai com um cartão, onde estava escrito: VALE A VACA BORBOREMA.
A tal da vaca borborema
realmente existia. Meu
pai tinha uma fazenda, na região do rio Urucuia, no
norte de Minas Gerais, adquirida nos idos de 1950. Foi uma operação
incrível à
época. Ele tinha um carro Buick, o carro mais bonito
que eu já vi em
minha vida. Preto, enorme, com sotaque americano. Meu pai não
sabia dirigir direito, e aprendeu, meio na marra.
Havia muitos postes na minha rua, em Belo Horizonte e aquilo, creio que
tranqüilizava, de uma certa forma, minha mãe. Uma
hora, o carro para. Pois bem, meu pai viajando por aquelas regiões do
norte de
Minas, encontrou-se com uma pessoa extremamente interessante. Era o Sr.Saint
Claire Valadares, o Coronel
Saint Claire, dono de
milhares de hectares de terra na região. Creio que ele não tinha idéia
da
quantidade de terra que tinha, muito menos quantas
cabeças de gado existiam nelas. Mas enchia a boca pra dizer: não existe
pra mim
raça boa. Raça boa é curral cheio. É, cada um com a sua filosofia, de
curral,
mas pode se enquadrar em alguma interpretação mais pretensiosa. Mas a
mulher
dele fazia um peixe curimatan, que meu pai adorava e
comentava com todo mundo sobre o sabor pisciano. Era
um contador de histórias. E meu pai gostava de ouvir. Ali, naquela
região,
Joaquina de Pompeu foi proprietária de várias terras. Dizia o velho Saint
Claire que ela se casava
com o dono das terras e depois mandava matá-lo. Com o tempo ela já era
proprietária de um vasta região à margem esquerda do
Rio São Francisco. Dizem que suas propriedades chegavam até o hoje,
Distrito
Federal, onde era dona de uma fazenda chamada Papuda, onde existe uma penitenciáia.
Diziam também que dessa mulher, muito foram
os descendentes importantes na política mineira. Ela mandava os filhos,
mais
bem dotados, estudar no Caraça, um Colégio religioso,
próximo de Ouro Preto. Ali se formou toda a geração de importantes
políticos,
banqueiros, proprietários rurais, enfim, a nata da política, da cultura e
da
economia mineira e brasileira. E tinha muita gente importante na lista
de
genealógica de Joaquina. Junto com D. Beja, de Araxá
e Chica da Silva, creio ser ela uma das
mais importantes mulheres de Minas Gerais. Fez acontecer, mudou coisas, e
como
mudou.
A a
conversa caminhou para outros lados e o velho Saint Claire,
argumentando que a região precisava de um impulso.
E nada melhor do que um homem como meu pai para tocar uma fazenda
naqueles
rincões. Meu pai não era de beber, mas se embriagou com as palavras
daquele
homem que dizia coisas lindas sobre as matas, a fauna, os rios, etc. E
não é
que meu pai fecha o negócio e compra a fazenda. Isso mesmo, vendeu o Buick
e comprou a fazenda, que veio a se chamar “Três
Marias”. Minha mãe não gostou nada da idéia,
pois imaginava usar aquele dinheiro para aumentar a casa, pois já haviam
nascido mais dois filhos e os quartos já não comportavam tantas crianças
– seis. E agora, de posse da fazenda, tem que mexer,
fazer lavoura, colocar umas cabeças de gado, etc. E assim, o tempo foi
passando. Não é que anos depois, Brasília veio a ser inaugurada, em 1960
e,
aquela fazenda ficava, relativamente próxima da
Capital. A estrada era muito ruim, mas não desmotivava
meu pai a colocar toda a família dentro de uma kombi
e rumar para curtir as cachoeiras e os belos
rios existentes na fazenda. E foi exatamente com essa fazenda que meu
pai fazia
o pé de meia para, em época de eleições, vender umas
cabeças de gado para mandar fazer cédulas (era assim mesmo), e material
de
propaganda para as eleições e custear as campanhas eleitorais, que
vieram a ser
uma constante na vida da família. Não eram tantas cabeças de gado, mas
de
quatro em quatro anos, renovava e estava lá para bancar nova eleição.
Vendia,
vendia, mas a VACA BORBOREMA, sempre ficava lá, creio, pois ela era
sempre
objeto de presente de aniversário, natal, etc. Qualquer agrado, ta lá o
bilhete: VALE A VACA BORBOREMA. A gente ficava com uma cara de tacho,
mas
achava tudo aquilo muito engraçado, pois, acompanhado do bilhete, vinha
uma
história, que creio, cada filho guarda para si com muito carinho. De
lado,
ficava meu pai com aquele sorrisinho maroto, de canto de boca, curtindo
mais um
aniversário.
CLÁUDIO ANTÔNIO DE
ALMEIDA
sexta-feira, 9 de março de 2012
Depoimento de Cláudio Antônio de Almeida
JOGO DE DAMAS
Mais um natal sem
presentes. O reflexo era direto em minha casa. Todos os
anos em que não havia
recursos para comprar presentes para os meninos da “Caio Martins”,
nós em casa, também ficávamos sem receber a dádiva de Noel. Os filhos de
Manoel e Márcia
eram um pouco, meninos caiomartinianos. Todos os
finais de semana passávamos lá; era nossa rotina.
Durante a semana, minha mãe ainda lecionava música e lá estava eu,
durante a
semana também. Eu sempre acompanhava minha mãe, pois, se ficasse em
casa, com
certeza iria brigar com os irmãos e, pra variar isso era uma constante.
Morávamos em uma casa, apesar de grande, ficava pequena para suportar a
energia
de seis filhos. Hoje, me assusto quanto visito aquela mesma casa, e
lembro que,
inicialmente eram três quartos. Um dos meus pais, e os outros, divididos
entre
os homens e as mulheres. Até que minha irmã mais velha ficou mocinha e
requereu
um espaço maior para suas vaidades e veleidades. Mas eu continuava
menino,
apesar da diferença cronológica ser de apenas um ano. Mas ela levava uma
vantagem enorme, pois, além de ser a mais velha, era vista por meu pai,
com
olhos muito especiais. Fazíamos aniversário, praticamente no mesmo dia,
ela 30
e eu 31 de julho. No dia da comemoração dos aniversários, eu sempre tive
a
impressão de que não avisavam que também era o meu aniversário. E
dançava no
presente. Mas o caso aqui é o presente de Natal. Este sim, é o objeto
dessa
conversa.
Pois bem, não haveria
presente de natal. Então, não tem objeto. Ficou estabelecido, mas
haveria uma
comemoração, pelo menos isso. Aquela coisa chata de ir à missa e ouvir
aquela
história contada todos os anos sobre o nascimento do menino Deus, já
tinha sido
dita. Mas eu ganhei do pai de um amigo da rua, um jogo de damas. Fiquei
alucinado. Não tinha nada de especial e as pedras eram de matéria
plástica. Mas
pra mim, um sem presente, era lindo e era o meu jogo de damas.
Como todos os finais de
semana, seguimos para a “Caio Martins”. No mesmo carro ia com a
gente, o Padre José, gordo e simpático, que sempre ganhava umas galinhas
das
mulheres da região e as levava no carro, provocando aquele odor
terrível. Mas
ninguém reclamava. Apenas, o motorista, Paulo, que tinha que lavar o
veículo.
Mas o Dr. Maciel, que dava consultas e também aula de ciências no Curso
Normal,
também levava suas galinhas. Era um agrado, uma forma de pagamento, que
ele
jamais recusava. O Dr. Hilo, dentista, fumava um cigarrinho de palha,
que
apagava a cada minuto. E ele sempre tentava falar com o cigarro na boca,
tornando difícil entender o que ele pretendia dizer. E o cheirinho da guimba
era terrível. As vezes não
tinha mesmo nada a dizer, mas era um homenzinho interessante, aliás,
engraçado.
Baixinho, já maduro, mas solteirão. Homem que mora com a mãe depois dos
quarenta anos tem coisa, diziam e era o caso dele. Mas creio que ele
veio a se
casar. Ele implicava comigo, pois eu andava sempre com um mico no bolso.
Mico
estrela mesmo. Um dia levei o mico no consultório dele, em Belo
Horizonte, para
tratar uma cárie. Ele achava que era brincadeira, quando tirei o mico do
bolso,
pulou assustado, pra não dizer apavorado. Mas era apenas uma cárie, eu
dizia,
sem conseguir entender a recusa dele. Adultos ...
Levei comigo o meu jogo
de damas. Chegava a limpar peça por peça, tal era o meu encantamento com
o
joguinho. Chegamos na Escola e fui direto para um dos
lares, onde tinha meninos que regulavam com a minha idade – dez, doze
anos. Ensinei pra eles algumas regras do jogo e passamos praticamente o
dia
todo jogando. A turma ia se revezando, e havia até torcida.
Sério, tinha alguns que já vislumbravam duas a três jogadas na frente.
Eram
meus amigos. Os meninos me ensinaram a fazer botões, com matéria
plástica. Botões
para futebol de mesa. A gente amassava as tampinhas de refrigerante e
colocava
os pedaços de plásticos dentro. Fazia um fogo e o plástico derretia e
ficava no
formato de botão. Era meio rústico, mas até sofisticavam, colocando um
plástico
transparente por baixo e uma foto do jogador preferido. Na época, os
principais
times mineiros, eram Atlético e América, e ainda
acredito que o são. Vivíamos completamente soltos na Escola. Tinha uma
represa,
onde a meninada nadava. Lembro-me de uma professora de artesanato, que
gostava
muito dos meus trabalhos. E eu circulava por todos os cantos da Escola.
Nossa
empregada, D. Maria Pinto,
me procurava por todos os lares, para saber se eu tinha almoçado ou
lanchado. O
almoço era no próprio lar. Lá tinha um casal, e seus filhos também
viviam junto
aos demais meninos. Eram 23. Não sei o porque deste
número. Mas tinha uma base de três a quatro por quarto. Não era muito
diferente
da minha casa. Deixei o jogo com os garotos e fui para a residência onde
meus
pais passavam o fim de semana. Era uma casa pequena, mas todos se
acomodavam
bem. Na frente tinha um bosque enorme, onde os garotos praticavam o
escotismo.
Ali também faziam churrasco e, me lembro, tinha um criatórios
de coelhos e codornas.
Chega a
hora de ir embora. Todo mundo esperando o Padre José acordar da sesta. E
lá vem
ele com suas galinhas dentro de um saco. Dr. Maciel, já bem velhinho,
também
trazia seus penados. E o Paulo, só olhava aquela carga extra
entrando no carro. Era um carro muito grande, não me lembro a
marca, mas
era enorme. Tudo na nossa infância tinha uma dimensão muito maior do que
viemos
a constatar na idade adulta. Era o ângulo do olhar. A meninada me
acompanhava e
devolvia o meu jogo de damas. Meu pai sempre conversava com os meninos.
Mas
dessa vez estava conversando com muitos adultos. Algo estava
acontecendo, mas
nós nunca éramos informados dos problemas que afligiam os adultos.
Quando os
adultos ficam sérios, tem coisa ruim no pedaço. Minha mãe arranjava
nossas
roupas nas malas. Era muita roupa. Também eram muitos filhos. Não
existia
máquina de lavar. E D. Maria reclamava muito da quantidade de roupa
suja.
Finalmente, todos dentro do carro.
Eu me demoro um pouco,
despedindo dos garotos e levando para o carro o meu jogo de damas. Meu
pai
observa aqueles movimentos e me chama para fora do carro. Cláudio,
soube que você encantou a garotada com esse seu jogo de
damas. Foi comentário principal do chefe-de-lar, de
nome Lara. Um homem alto, muito claro, com os cabelos lisos e
aloirados, de voz mansa e educado. Era militar. A garotada o
respeitava
muito. Mas não tinha idéia do que viria de meu pai, além desse
comentário. Mas
tinha muita coisa pela frente. No meio daquela meninada toda, meu pai
pega o
meu jogo de damas e diz: Meu filho, este não é um jogo para uma só
pessoa, mas
para muitas. Você não gostaria de dar esse jogo para os meninos? Puxa,
era o
meu jogo, o meu único presente de natal. Com o jogo eu conseguia me
sentir o
dono da bola. A meninada me via de forma diferente. Sei lá, tinha a
senha do
esconderijo, algo assim. Eu olhava para o jogo, olhava para os olhos das
crianças
e retornava o olhar ao meu pai. Sentia que, no carro, todos aguardavam a
minha
decisão. O que o Padre José estaria pensando? E se eu negasse? Creio que
apenas
D. Maria ficaria do meu lado, pois sempre foi minha cúmplice. Preta
velha porreta, filha de negro com índio, bugre. Brava, mas
do meu
lado. Um silêncio se instalou entre aqueles olhares. Os olhos dos
meninos
brilhavam. Não era tirar a bala da criança, era muito mais. Era o meu
bicho de
estimação. Algo de muito especial. Mas o olhar de cada um mexia comigo e
como
mexia. Estiquei os braços e entreguei o jogo para um amigo especial, que
tinha
me dado um botão, feito de chifre de boi, e seria o meu beque central. A
meninada comemorava. E eu? Entrei no carro enquanto todos conversavam
sobre
todos os assuntos, menos sobre aquela doação. Segui em
silêncio até Belo
Horizonte. Acariciava o mico, meu companheiro. Chegando em
casa, meu pai entra no meu quarto e diz. Um dia você vai
entender o tamanho da sua atitude. Realmente, hoje tenho essa dimensão. O
educador
atua em todos os momentos. E eu vivenciei um desses.
quarta-feira, 7 de março de 2012
Depoimento de Claúdio - filho de Manoel José de Almeida
INFARTE????
A saúde de meu pai
– Manoel José de Almeida,
sempre foi uma preocupação para toda a família, e por extensão, nós
filhos
sempre vivemos sobressaltados com as constantes internações. Cheguei a
imaginar
que, na infância, meu pai teria sido picado por um barbeiro. Mas infarto
mesmo,
pelas informações médicas, a cada internação, ele nunca teve. Mas tudo
tem sua
primeira vez.
O segundo filho de meu
irmão mais novo, João Lincoln, tinha acabado
de
nascer e estava tendo problemas com uma infecção hospitalar. Estava
internado há
dias e seu estado era cada vez pior. Era o Alexandre, de quem mais tarde
eu
viria ser padrinho e, que, bem mais tarde, seria meu genro, vindo a se
casar
com minha filha, Giovanna.
Naquela época, as
passagens de avião eram de tirar o couro da gente e, a opção era
enfrentar as 10 a
12 horas de ônibus, pé duro, de Brasília a Belo Horizonte. E foi
assim
que me desloquei para lá, quando recebi um telefonema do João, dizendo
que o
Alexandre não passaria daquela noite, conforme os médicos. Peguei minhas
coisas
e fui para a rodoviária e lá consegui um ônibus naquela mesma noite.
Sem tempo para passar no
apartamento de meus pais, no centro da cidade, segui direto para o
hospital,
onde estava internado meu sobrinho, na periferia da cidade. Lá me
encontrei com
meu irmão, completamente derrubado, como se diz em Minas, demonstrando
não dormir
há várias noites. A criança parecia um ratinho. Cabia dentro de uma
caixa de
sapato infantil. Tinha a cabeça toda furada por agulhas de soro, pois
não se conseguia
mais outros lugares no corpinho para as transfusões. Num canto, vi a
mulher do
João, em
profundo silêncio. As notícias não eram boas, ao contrário,
eram derrotistas, sem qualquer expectativa positiva. Discretamente, João
me
chama para conversar fora do hospital. Imaginei que iria falar sobre o
estado
do Alexandre.
Mas nada disso, João fala
de forma assertiva: você não vai ficar aqui. Papai teve um infarto em
Esmeraldas. Acabei de falar com o médico e a situação é grave. São
momentos em
que você está em cima da ponte e ela está ameaçada de cai e você tem que
decidir para que lado deve-se correr. Mas o João já havia traçado as
coordenadas. Pegamos o carro e buscamos minha mãe em casa, seguindo para
a
Escola Caio Martins, onde meu pai se encontrava. Em uma hora chegamos e
vi meu
pai prostrado na cama, consciente, mas sem demonstrar reações de
qualquer
natureza. Ele me olhou de uma forma diferente dos olhares otimistas que
eu estava
acostumado a vislumbrar em seus olhos e não senti firmeza. Muitos alunos
e
professores se encontravam na casa e davam toda atenção a ele.
Aproximei-me do
médico, que era amigo de meu pai e que, nas eleições, sempre prometia a
ele uma
boa votação em Esmeraldas, mas que na verdade esse prestígio não se
transformava em votos. Mas meu pai
gostava dele. Era um cara jovial, alegre, extrovertido e contador de
história.
E para o bem de meu pai, ele era especializado em cardiologia. Era tudo o
que
meu pai precisava naquele momento. Não me lembro do nome dele, não
importa.
Soube depois que ele se mudou para outra cidade.
E então o médico me diz
de forma explícita - seu pai teve um enfarte do miocárdio. Estou aqui de
posse
dos eletro-cardiogramas, veja. Eu olhava aqueles rabiscos
de baixo para cima, que não me diziam nada. E o médico contemplava a
minha cara
de imbecil total. Dava vontade mostrar um problema de macro-economia
pra ele – sou economista, ninguém é perfeito, para ver qual seria sua
reação. Minha mãe olhava para o João e João olhava pra mim. E aí,
Doutor, o que
fazer? Estou aqui pra colaborar no que for possível. Posso levar meu pai
para
Belo Horizonte agora? Jamais, disse ele; seu pai não tem condições
físicas para
se deslocar daqui para lugar nenhum. O estado dele é gravíssimo.
Mas Doutor, o que fazer
então, se ele aqui não tem condições de atendimento, condizente com o
estado em
que ele se encontra. É, mas ele não pode sair daqui não. Ele não
agüentaria
chegar a Betim – cidade situada no meio do trajeto para Belo Horizonte.
Fiquei desorientado, sem saber o que fazer, andando de um lado para
outro,
imaginando tudo o que me era possível para solucionar aquele impasse.
Ultrapassava os meus humildes limites de raciocínio. Disse então ao
médico que
iria a Belo Horizonte pensar numa solução. O meu desejo era levar um
médico,
com os para-médicos e ambulância equipada, para atender a meu pai. Mas
vamos
ver o que existe pela frente. Despedi do meu pai, com os olhos. Foi uma
troca
de olhar triste, muito triste, aproximando-se de um olhar de despedida.
Minha
mãe ficou ao lado dele.
Chegando a Belo
Horizonte, fomos direto para o Hospital, onde se encontrava o filho do João
Lincoln. A situação da criança era a mesma
– crítica. Meu Deus, o que fazer numa situação dessas? Um sobrinho
terminal e o pai enfartado. Minha mãe também tinha saúde frágil. Mas num
lance
de HEURECA, João disse sem pestanejar: vamos arranjar um helicóptero. A
primeira vista pareceu ser uma coisa descabida, até meio maluca. Não
tínhamos
acesso a esses meios de transporte e era, para mim, algo muito distante.
Mas
foi uma idéia. Como materializá-la!
A imaginação começa a
fruir quando lembrei-me de procurar o cunhado de minha
irmã, então Deputado, Paulino Cícero, que à época era Secretário de
Educação do
Estado. E para lá, rumei. Na frente da Secretaria havia uma manifestação
imensa
de professoras primárias, reivindicando tudo que era possível naquele
dia.
Tinha que ser. Eu não sabia nem como entrar na Secretaria. O clima era
terrível,
pois alguns funcionários, de forma estúpida, começaram a jogar água nas
professoras. A revolta se tornou
odienta, fazendo com que as palavras de ordem mudassem para ofensas e
outros
impropérios impublicáveis. Mas, diante daquela
situação, dei a volta e entrei pela porta dos fundos do prédio, buscando
localizar o Gabinete do Secretário. A Secretaria funcionava em um prédio
muito antigo,
mas uma construção “art nouveau”,
à época muito comum na cidade, uma influência da arquitetura francesa. As
parede eram grossas e não haviam colunas. O teto continha
pinturas já desbotadas, mas bonitas. Uma enorme escadaria me levaria até
a
parte superior. Lá, me identifiquei e disse ao funcionário que precisava
falar
com urgência com o Secretário. Argumentou que ele se encontrava numa
reunião
buscando uma solução para a greve dos professores e, uma saída honrável
para
aquele episódio do banho de água nos mestres. A repercussão eleitoral
para ele
seria catastrófica.
O funcionário entrou e
retornou
rapidamente, autorizando meu ingresso. Havia uma sala enorme, com uma
mesa
imensa de jacarandá, linda, rodeada de técnicos, assessores e pessoal da
segurança, enfim, mais de 20 pessoas dando palpites e eu lá, tentando
arranjar
um helicóptero. Naquela época não havia telefone na Caio Martins, e
muito menos
celulares. Então, como saber do estado de saúde de meu pai. Paulino,
como eu o chamava, me colocou sentado a seu lado na reunião
e
perguntou qual a razão daquela urgência. Relatei o problema do meu pai e
o
diagnóstico do médico-cardiologista, de que o estado de saúde dele era
gravíssimo e sua remoção de automóvel, era impossível de se processar,
pois ele
não resistiria. Paulino ficou preocupado
e perguntou-me o que estava
pensando. Comentei com ele sobre o estado de saúde do filho do João
Lincoln e
disse sobre a sugestão apresentada por ele. Um helicóptero. O
Secretário, a
princípio meditou, por alguns instantes. Em volta dele aqueles
homens cochichando uns com os outros e me sentia extremamente
constrangido,
pois havia presenciado aquela confusão na porta da Secretaria e a
pressão sobre
o Secretário era bárbara. Paulino mandou chamar seu Chefe de Gabinete,
mandando-o contatar
com o Chefe do Gabinete Militar do Governador do Estado. Francelino
Pereira era o Governador. Paulino conversou detalhadamente com o
militar, por
alguns momentos, dando uma prioridade zero ao meu problema. Disse ao
Paulino
que, caso meu pai piorasse imaginava leva-lo para Hospital
do Coração, em
São Paulo. Nem parecia que lá fora estava aquela tormenta, e,
dificilmente aqueles professores arredariam o pé dali, sem uma solução
definitiva. Paulino, concluiu a fala e me disse: o helicóptero está à
disposição de vocês. Combine a rota a ser realizada com o pessoal do
Gabinete
Militar e traga seu pai para cá imediatamente.
Quando sai do prédio, olhei para o Secretário que tinha um
semblante
sério e contraído. Como agradecer? Só um abraço fraterno. Para
ele, muitas coisas ainda estavam por vir.
Era um inferno em
sua pasta. Quanto a mim, já existia um caminho traçado.
Com tudo o que eu
precisava e queria, rumei para o Gabinete Militar e traçamos as
coordenadas com
os militares e o piloto. Peguei o João e fomos para a Caio Martins,
situada no
município de Esmeraldas. À época, a estrada era em grande parte de
terra, e
suas condições precárias. Encontrei meu pai deitado, totalmente vencido.
Relatei
a ele sobre a situação que o médico havia descrito e as providências
tomadas
para o seu deslocamento. Ele deu um sorriso: “que bom que as crianças da
Caio Martins vão poder ver um helicóptero de perto”. Conversei com o
médico, que se prontificou a acompanhar meu pai no helicóptero,
juntamente com
minha mãe. Mas o estado de saúde do Alexandre continuava crítico. Mesmo
assim, João
ainda me acompanhou até o Aeroporto para aguardarmos a chegada histórica
do
helicóptero. Quando avistamos o bichinho lá no ar, me emocionei. Descia
meu
pai, com um sorriso nos lábios, dizendo que a meninada estava toda feliz
em
poder conhecer um aparelho daqueles, de perto. Disse que o helicóptero
pousou
no campo de futebol da Escola, onde ficaram centenas de crianças e
adultos,
aguardando a saída do vôo. Foi uma festa, pela feição de meu pai,
comentando.
Conversei com o médico que ratificou seu diagnóstico em relação ao
estado de
saúde de meu pai - INFARTO. Antes, havia mantido um contato telefônico
com a médica-chefe do Hospital do Coração em São Paulo,
Dra.
Maria Helena, jovem, bonita e elegante, para uma eventual necessidade de
levar
meu pai para a Capital paulista. Era ela auxiliar direta do Dr
Adib Jatene, o papa da cardiologia no Brasil.
Mas tivemos uma agradável
surpresa. A Chefia de Gabinete, mantendo contato com o Governador,
autorizou o
envio de um avião do Estado para conduzir meu pai até São Paulo. João e o
médico ficaram em Belo Horizonte e seguimos, eu, minha mãe e meu pai
para a
Capital paulista. A viagem foi tranqüila e rápida. Nunca me senti tão
prestigiado. Estava acima do bem e do mal. Já prevendo o
problema do trânsito em São
Paulo, entrei em contato com meu sogro, à época residindo em São Paulo,
pedindo-lhe
que nos pegasse no aeroporto. Assim, o fez e seguimos direto para o
Hospital do
Coração. Fomos recebidos pela equipe de cardiologia do hospital, pois as
notícias da saúde de meu pai já haviam chegado antes de nós. Logo fomos alojados
em um apartamento, mais bem equipado do que
qualquer UTI de hospital de Belo Horizonte. Realmente, um excelente
nosocômio.
Meu pai foi levado a fazer uma bateria de exames, durante todo o dia
enquanto
eu e minha mãe aguardávamos no apartamento. Uma gripe forte, começou a
tomar
conta dela. Mais essa. Ela estava muito fragilizada e eu precisava que
ela
estivesse bem para acompanhar meu pai, pois eu teria que providenciar a
papelada para a internação de meu pai. Eram documentos de INPS, seguro
saúde,
enfim, coisas que o hospital exigia para a internação e, naturalmente o
ressarcimento das despesas, que ali, não seriam poucas. Mas minha mãe
piorava
cada vez mais e terminou prostrada na cama do hospital, tendo eu que
chamar
médicos para atende-la.
Mas a expectativa em
relação aos exames era cada vez maior. O quadro pintado pelo médico de
Esmeraldas era o pior possível. Comuniquei a todos os irmãos a situação
de meu
pai, para que se preparassem para o que pudesse a vir
a ocorrer. Meu pai parecia ser o mais tranqüilo de todos. Estava com uma
fisionomia boa e se alimentava bem. O problema agora era D. Márcia, com
aquela
gripe fora de hora. Eis que entram no
apartamento o Dr. Adib Jatene, Dra. Maria Helena e mais uns três homens
de
branco, que imaginei serem também cardiologistas. Olhei para Maria
Helena e ela
sorriu. Era difícil àquela altura interpretar aquele sorriso. Nem Mona
Lisa
tinha aquele sorriso. Indescritível. Dr. Jatene se aproxima do leito de
meu pai
e diz. O SENHOR NÃO TEVE INFARTO !!!!!! Eu
não entendi nada. Havia levado os eletros
e entregue, juntamente com outros exames e descrição de procedimentos
realizados, ainda na Caio Martins. POIS É, confirmou ele,
NÃO FOI INFARTE. O senhor tem o coração bastante dilatado. Se tivesse
que fazer
algo, seria um transplante, mas isso seria em última hipótese. Olhei
para Maria
Helena e entendi o seu sorriso. Ela acompanhou meu desespero em todos os
momentos em que estive no hospital. Ela almoçava e lanchava no hospital e
sempre nos encontrávamos para falar sobre o episódio. Despediram de meu
pai e
deixaram o apartamento. Ficamos, eu, minha mãe e meu
pai olhando um para a cara do outro. Patéticos.
E AGORA? O que vamos
dizer pra todo mundo. Pro Governador, pro Secretário, pro João
Lincoln, para os irmãos, para os alunos e
funcionários da Caio Martins, para a criançada que viu meu pai sair num
helicóptero. E o médico, como é que vai ficar nessa história. Falamos e
falamos
e meu pai ouvia e esboçava um sorriso jocoso. Acho que ele foi o único a
curtir
todo aquele estado de coisas. Vendo que não havia uma solução plausível
para o
caso, convenci meu pai a assumir toda aquela história. Para todos os
efeitos,
ele o senhor teve um INFARTO. Vai passar uma temporada aqui no hospital e
depois vai para a casa de
minha irmã, em Bragança Paulista, curtir o descanso merecido do velho
guerreiro.
Mais tarde, ligamos para
os irmãos dando boas notícias, e recebemos a informação do João de que o
Alexandre teria recebido alta no hospital.
Mas são tantas as
histórias, lembranças interessantes, até engraçadas, outras tristes, na
trajetória de vida de meu pai, mas, com certeza posso dizer que sinto-me
orgulhoso ao falar que sou filho de um POLÍTICO. O
POLÍTICO MANOEL JOSÉ DE
ALMEIDA.
CLÁUDIO ANTÔNIO DE
ALMEIDA – segundo filho do casal Manoel de Almeida/Márcia Almeida.
Economista e Advogado.
quinta-feira, 1 de março de 2012
Depoimento de Ana Maria Lopes
Ele vinha com aquele andar de pés aberto. Sempre uma
pasta de papel em baixo dos braços. Nas pastas, seus sonhos. E caminhava com a
calma dos sonhadores.
Essa é uma imagem recorrente quando penso em Manoel de Almeida.
Seus sonhos eram tão fortes e verdadeiros que nada o
perturbava. Nas pastas, dezenas de projetos de lei em benefício da criança
carente e abandonada. Páginas de discursos, anotações, recortes de jornais e
projetos. Muitos.
Aquelas pastas, organizadas com uma ordem muito
pessoal, só ele as entendia. Ao redigir ou ditar um discurso, parava por
segundos e tirava de dentro daquela babel de papeis, uma anotação tão precisa,
tão correta, que arrematava seu pronunciamento com fecho de ouro.
Nada o tirava de Minas. Sua mineirice aparecia na
simplicidade que o acometeu a vida inteira. Um homem que falava e vivia com sua
gente. Nem mesmo em andanças pelos palácios da República, Manoel de Almeida se
desvestia de sua simplicidade.
O melhor exemplo do que falo aconteceu em uma tarde em
seu gabinete na Câmara dos Deputados. Ele esboçava seu relatório da CPI do
Menor. Ao seu lado, além das colunas de papel, uma pequena cesta com tangerinas
que trouxera de um pequeno sítio em Taguatinga.
Pela porta de vidro vi que um homem baixo e meio
cabisbaixo caminhava na nossa direção. Quando ele chegou perto vi que era o
então deputado Tancredo Neves – ex primeiro ministro da nossa rápida passagem
pelo parlamentarismo, ex senador, ex ministro e tantos cargos mais -. Corri para a sala onde Manoel de Almeida
estava para avisar da ilustre visita. Não deu tempo. O também mineiro Tancredo
Neves, que viria a ser presidente do Brasil como candidato da Aliança
Democrática, entrou sem maiores avisos. Os dois se cumprimentaram e eu fui
correndo avisar à copa para levar café e água. Mas nada de copos de plástico,
por favor! Usem o serviço de louça, pedi.
Voltei ao gabinete quase ao mesmo tempo em que
chegavam a água e o café, como pedira. Ao entrarmos na sala – o garçon e eu –
não acreditamos no que vimos.
Manoel de Almeida e Tancredo Neves conversavam
relaxados no pequeno sofá do escritório e os dois – sim, os dois – descascavam
e comiam tangerinas como meninos em recreio.
Aqueles dois mineiros viviam ali a sua simplicidade. E
o cheiro da fruta, as cascas colocadas em cima de uma folha de jornal e a
conversa política sem rodeios, virou para mim a imagem do homem: Manoel de
Almeida
Ana Maria Lopes
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