quinta-feira, 15 de março de 2012

Manoel José de Almeida em família


Comentários, mensagens e manifestações

lindo seus depoimentos, vc  expressou com o coração de criança e jovem/adulto. Lembro-me de um discurso proferido por seu pai, aqui, na faculdade, foi aplaudido de pé, pela capacidade e inteligencia. Bjs 
Vania


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QUE BELEZA. PARABÉNS. UMA HOMENAGEM A UM HOMEM QUE MERECE! COM CARINHO DA COSETE

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Oiii Claudio!!

Que legal os preparativos para essa celebração tão especial!
Pena que o anexo com o selo não chegou aqui...

Que Jesus abençoe vc e toda sua família!

Abraços,

Amanda



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Claudio queridooooo!!! Quantas saudades!!!!
Nossa, faz tempo que a gente nao se fala!
Esta tudo bem por ai, contigo?
Que maximo essa comemoracao!!! Eh o centenario do seu pai, nao eh?
Quero te dizer que fiquei muito feliz por voce estar compartilhando comigo este evento especial da sua familia. E parabens ao ilustre Manoel Jose de Almeida!!! Gostaria de conhecer um pouco da historia dele.
E a sua maezinha, como ela esta? Deve estar animada com a homenagem. E voce, o que tem feito????
Precisamos nos falar, de preferencia ao vivo e a cores, ne, Claudio.
Voce me manda noticias assim que puder? A ultima vez que nos falamos foi no seu niver, quando te liguei.... afff, mas parece que foi ontem, voce esta sempre no meu coracao, viu.
Um beijaooooo enorme e ate ja!!!!

Rica Osawa


segunda-feira, 12 de março de 2012

Depoimento de Cláudio Antônio de Almeida

A VACA BORBOREMA


Eu jamais esperaria que meu pai (MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA), entrasse numa loja e comprasse um presente pra mim. Não só porque ele não levava jeito para a coisa, como o tempo dele era voltado para o trabalho. Tanto em Minas, quanto em Brasília, era inimaginável pensar que meu pai sairia com minha mãe, ou mesmo sozinho, e entrasse numa loja, e escolheria um presente para dar para uma pessoa. Nunca presenciei, nem jamais soube dessa acontencência. As vezes ele cometia umas delicadezas, que chegavam a assustar. Passando numa loja para comprar ração para animais, começa a olhar as coisa ao redor e vê um machado. Sim, um machado. E não é que ele aparece na minha casa com um machado e me presenteia. O machado em si não teve muita importância pra mim, mas o cartão que o acompanhou foi uma obra de arte. Uma dedicatória linda, explicando a importância do machado na lavoura, para o lavrador, enfim, passei a ver, a partir daquela data, o machado com um olhar diferente. Não só um instrumento de cortar árvore, mas algo que dá um alento ao homem do campo. É um instrumento de apoio ao homem. Eu ainda tenho esse machado. Troco sempre o cabo, mas o machado, sempre amolado, continua exercendo parte das prerrogativas que meu pai lhe atribuiu, em minha casa.
Mas surgiu um aniversário, de um dos meus irmãos. Não era o meu. Minha mãe preparou o bolo, os doces, etc., alguns convidados e a cantoria. Minha mãe, sempre prestigiou o Lamartine Babo, de quem privou amizade, quando o poeta/cantor esteve na terra dela – Boa Esperança, e fez aquela linda melodia: Serra da Boa Esperança. A música começa assim: “Saudemos o grande dia, que ele (a) hoje comemora, seja casa onde mora, a morada da alegria, o refúgio da ventura, ..  E por ai vai. E essa música faz parte do folclore musical dos aniversários de todos da  família. Todos entregavam seus presentes e meu pai, sai com um cartão, onde estava escrito: VALE A VACA BORBOREMA.
A tal da vaca borborema realmente existia. Meu pai tinha uma fazenda, na região do rio Urucuia, no norte de Minas Gerais, adquirida nos idos de 1950. Foi uma operação incrível à época. Ele tinha um carro Buick, o carro mais bonito que eu já vi em minha vida. Preto, enorme, com sotaque americano. Meu pai não sabia dirigir direito, e aprendeu, meio na marra. Havia muitos postes na minha rua, em Belo Horizonte e aquilo, creio que tranqüilizava, de uma certa forma, minha mãe. Uma hora, o carro para. Pois bem, meu pai viajando por aquelas regiões do norte de Minas, encontrou-se com uma pessoa extremamente interessante. Era o Sr.Saint Claire Valadares, o Coronel Saint Claire, dono de milhares de hectares de terra na região. Creio que ele não tinha idéia da quantidade de terra que tinha, muito menos quantas cabeças de gado existiam nelas. Mas enchia a boca pra dizer: não existe pra mim raça boa. Raça boa é curral cheio. É, cada um com a sua filosofia, de curral, mas pode se enquadrar em alguma interpretação mais pretensiosa. Mas a mulher dele fazia um peixe curimatan, que meu pai adorava e comentava com todo mundo sobre o sabor pisciano. Era um contador de histórias. E meu pai gostava de ouvir. Ali, naquela região, Joaquina de Pompeu foi proprietária de várias terras. Dizia o velho Saint Claire que ela se casava com o dono das terras e depois mandava matá-lo. Com o tempo ela já era proprietária de um vasta região à margem esquerda do Rio São Francisco. Dizem que suas propriedades chegavam até o hoje, Distrito Federal, onde era dona de uma fazenda chamada Papuda, onde existe uma penitenciáia. Diziam também que dessa mulher, muito foram os descendentes importantes na política mineira. Ela mandava os filhos, mais bem dotados, estudar no Caraça, um Colégio religioso, próximo de Ouro Preto. Ali se formou toda a geração de importantes políticos, banqueiros, proprietários rurais, enfim, a nata da política, da cultura e da economia mineira e brasileira. E tinha muita gente importante na lista de genealógica de Joaquina. Junto com D. Beja, de Araxá  e Chica da Silva, creio ser ela uma das mais importantes mulheres de Minas Gerais. Fez acontecer, mudou coisas, e como mudou.
A a conversa caminhou para outros lados e o velho Saint Claire, argumentando que a região precisava de um impulso. E nada melhor do que um homem como meu pai para tocar uma fazenda naqueles rincões. Meu pai não era de beber, mas se embriagou com as palavras daquele homem que dizia coisas lindas sobre as matas, a fauna, os rios, etc. E não é que meu pai fecha o negócio e compra a fazenda. Isso mesmo, vendeu o Buick e comprou a fazenda, que veio a se chamar “Três Marias”. Minha mãe não gostou nada da idéia, pois imaginava usar aquele dinheiro para aumentar a casa, pois já haviam nascido mais dois filhos e os quartos já não comportavam tantas crianças – seis. E agora, de posse da fazenda, tem que mexer, fazer lavoura, colocar umas cabeças de gado, etc. E assim, o tempo foi passando. Não é que anos depois, Brasília veio a ser inaugurada, em 1960 e, aquela fazenda ficava, relativamente próxima da Capital. A estrada era muito ruim, mas não desmotivava meu pai a colocar toda a família dentro de uma kombi e rumar para curtir as cachoeiras e os belos rios existentes na fazenda. E foi exatamente com essa fazenda que meu pai fazia o pé de meia para, em época de eleições, vender umas cabeças de gado para mandar fazer cédulas (era assim mesmo), e material de propaganda para as eleições e custear as campanhas eleitorais, que vieram a ser uma constante na vida da família. Não eram tantas cabeças de gado, mas de quatro em quatro anos, renovava e estava lá para bancar nova eleição. Vendia, vendia, mas a VACA BORBOREMA, sempre ficava lá, creio, pois ela era sempre objeto de presente de aniversário, natal, etc. Qualquer agrado, ta lá o bilhete: VALE A VACA BORBOREMA. A gente ficava com uma cara de tacho, mas achava tudo aquilo muito engraçado, pois, acompanhado do bilhete, vinha uma história, que creio, cada filho guarda para si com muito carinho. De lado, ficava meu pai com aquele sorrisinho maroto, de canto de boca, curtindo mais um aniversário.

CLÁUDIO ANTÔNIO DE ALMEIDA 


sexta-feira, 9 de março de 2012

Depoimento de Cláudio Antônio de Almeida



JOGO DE DAMAS


Mais um natal sem presentes. O reflexo era direto em minha casa. Todos os anos em que não havia recursos para comprar presentes para os meninos da “Caio Martins”, nós em casa, também ficávamos sem receber a dádiva de Noel. Os filhos de Manoel e Márcia eram um pouco, meninos caiomartinianos. Todos os finais de semana passávamos lá; era nossa rotina. Durante a semana, minha mãe ainda lecionava música e lá estava eu, durante a semana também. Eu sempre acompanhava minha mãe, pois, se ficasse em casa, com certeza iria brigar com os irmãos e, pra variar isso era uma constante. Morávamos em uma casa, apesar de grande, ficava pequena para suportar a energia de seis filhos. Hoje, me assusto quanto visito aquela mesma casa, e lembro que, inicialmente eram três quartos. Um dos meus pais, e os outros, divididos entre os homens e as mulheres. Até que minha irmã mais velha ficou mocinha e requereu um espaço maior para suas vaidades e veleidades. Mas eu continuava menino, apesar da diferença cronológica ser de apenas um ano. Mas ela levava uma vantagem enorme, pois, além de ser a mais velha, era vista por meu pai, com olhos muito especiais. Fazíamos aniversário, praticamente no mesmo dia, ela 30 e eu 31 de julho. No dia da comemoração dos aniversários, eu sempre tive a impressão de que não avisavam que também era o meu aniversário. E dançava no presente. Mas o caso aqui é o presente de Natal. Este sim, é o objeto dessa conversa.
Pois bem, não haveria presente de natal. Então, não tem objeto. Ficou estabelecido, mas haveria uma comemoração, pelo menos isso. Aquela coisa chata de ir à missa e ouvir aquela história contada todos os anos sobre o nascimento do menino Deus, já tinha sido dita. Mas eu ganhei do pai de um amigo da rua, um jogo de damas. Fiquei alucinado. Não tinha nada de especial e as pedras eram de matéria plástica. Mas pra mim, um sem presente, era lindo e era o meu jogo de damas.
Como todos os finais de semana, seguimos para a “Caio Martins”. No mesmo carro ia com a gente, o Padre José, gordo e simpático, que sempre ganhava umas galinhas das mulheres da região e as levava no carro, provocando aquele odor terrível. Mas ninguém reclamava. Apenas, o motorista, Paulo, que tinha que lavar o veículo. Mas o Dr. Maciel, que dava consultas e também aula de ciências no Curso Normal, também levava suas galinhas. Era um agrado, uma forma de pagamento, que ele jamais recusava. O Dr. Hilo, dentista, fumava um cigarrinho de palha, que apagava a cada minuto. E ele sempre tentava falar com o cigarro na boca, tornando difícil entender o que ele pretendia dizer. E o cheirinho da guimba era terrível. As vezes não tinha mesmo nada a dizer, mas era um homenzinho interessante, aliás, engraçado. Baixinho, já maduro, mas solteirão. Homem que mora com a mãe depois dos quarenta anos tem coisa, diziam e era o caso dele. Mas creio que ele veio a se casar. Ele implicava comigo, pois eu andava sempre com um mico no bolso. Mico estrela mesmo. Um dia levei o mico no consultório dele, em Belo Horizonte, para tratar uma cárie. Ele achava que era brincadeira, quando tirei o mico do bolso, pulou assustado, pra não dizer apavorado. Mas era apenas uma cárie, eu dizia, sem conseguir entender a recusa dele. Adultos ...
Levei comigo o meu jogo de damas. Chegava a limpar peça por peça, tal era o meu encantamento com o joguinho. Chegamos na Escola e fui direto para um dos lares, onde tinha meninos que regulavam com a minha idade – dez, doze anos. Ensinei pra eles algumas regras do jogo e passamos praticamente o dia todo jogando. A turma ia se revezando, e havia até torcida. Sério, tinha alguns que já vislumbravam duas a três jogadas na frente. Eram meus amigos. Os meninos me ensinaram a fazer botões, com matéria plástica. Botões para futebol de mesa. A gente amassava as tampinhas de refrigerante e colocava os pedaços de plásticos dentro. Fazia um fogo e o plástico derretia e ficava no formato de botão. Era meio rústico, mas até sofisticavam, colocando um plástico transparente por baixo e uma foto do jogador preferido. Na época, os principais times mineiros, eram Atlético e América, e ainda acredito que o são. Vivíamos completamente soltos na Escola. Tinha uma represa, onde a meninada nadava. Lembro-me de uma professora de artesanato, que gostava muito dos meus trabalhos. E eu circulava por todos os cantos da Escola. Nossa empregada, D. Maria Pinto, me procurava por todos os lares, para saber se eu tinha almoçado ou lanchado. O almoço era no próprio lar. Lá tinha um casal, e seus filhos também viviam junto aos demais meninos. Eram 23. Não sei o porque deste número. Mas tinha uma base de três a quatro por quarto. Não era muito diferente da minha casa. Deixei o jogo com os garotos e fui para a residência onde meus pais passavam o fim de semana. Era uma casa pequena, mas todos se acomodavam bem. Na frente tinha um bosque enorme, onde os garotos praticavam o escotismo. Ali também faziam churrasco e, me lembro, tinha um criatórios de coelhos e codornas.
Chega a hora de ir embora. Todo mundo esperando o Padre José acordar da sesta. E lá vem ele com suas galinhas dentro de um saco. Dr. Maciel, já bem velhinho, também trazia seus penados. E o Paulo, só olhava aquela carga extra entrando no carro. Era um carro muito grande, não me lembro a marca, mas era enorme. Tudo na nossa infância tinha uma dimensão muito maior do que viemos a constatar na idade adulta. Era o ângulo do olhar. A meninada me acompanhava e devolvia o meu jogo de damas. Meu pai sempre conversava com os meninos. Mas dessa vez estava conversando com muitos adultos. Algo estava acontecendo, mas nós nunca éramos informados dos problemas que afligiam os adultos. Quando os adultos ficam sérios, tem coisa ruim no pedaço. Minha mãe arranjava nossas roupas nas malas. Era muita roupa. Também eram muitos filhos. Não existia máquina de lavar. E D. Maria reclamava muito da quantidade de roupa suja. Finalmente, todos dentro do carro.
Eu me demoro um pouco, despedindo dos garotos e levando para o carro o meu jogo de damas. Meu pai observa aqueles movimentos e me chama para fora do carro. Cláudio, soube que você encantou a garotada com esse seu jogo de damas. Foi comentário principal do chefe-de-lar, de nome Lara. Um homem alto, muito claro, com os cabelos lisos e aloirados, de voz mansa e educado. Era militar. A garotada o respeitava muito. Mas não tinha idéia do que viria de meu pai, além desse comentário. Mas tinha muita coisa pela frente. No meio daquela meninada toda, meu pai pega o meu jogo de damas e diz: Meu filho, este não é um jogo para uma só pessoa, mas para muitas. Você não gostaria de dar esse jogo para os meninos? Puxa, era o meu jogo, o meu único presente de natal. Com o jogo eu conseguia me sentir o dono da bola. A meninada me via de forma diferente. Sei lá, tinha a senha do esconderijo, algo assim. Eu olhava para o jogo, olhava para os olhos das crianças e retornava o olhar ao meu pai. Sentia que, no carro, todos aguardavam a minha decisão. O que o Padre José estaria pensando? E se eu negasse? Creio que apenas D. Maria ficaria do meu lado, pois sempre foi minha cúmplice. Preta velha porreta, filha de negro com índio, bugre. Brava, mas do meu lado. Um silêncio se instalou entre aqueles olhares. Os olhos dos meninos brilhavam. Não era tirar a bala da criança, era muito mais. Era o meu bicho de estimação. Algo de muito especial. Mas o olhar de cada um mexia comigo e como mexia. Estiquei os braços e entreguei o jogo para um amigo especial, que tinha me dado um botão, feito de chifre de boi, e seria o meu beque central. A meninada comemorava. E eu? Entrei no carro enquanto todos conversavam sobre todos os assuntos, menos sobre aquela doação. Segui em silêncio até Belo Horizonte. Acariciava o mico, meu companheiro. Chegando em casa, meu pai entra no meu quarto e diz. Um dia você vai entender o tamanho da sua atitude. Realmente, hoje tenho essa dimensão. O educador atua em todos os momentos. E eu vivenciei um desses. 

quarta-feira, 7 de março de 2012

Depoimento de Claúdio - filho de Manoel José de Almeida

INFARTE????

A saúde de meu pai – Manoel José de Almeida, sempre foi uma preocupação para toda a família, e por extensão, nós filhos sempre vivemos sobressaltados com as constantes internações. Cheguei a imaginar que, na infância, meu pai teria sido picado por um barbeiro. Mas infarto mesmo, pelas informações médicas, a cada internação, ele nunca teve. Mas tudo tem sua primeira vez.
O segundo filho de meu irmão mais novo, João Lincoln, tinha acabado de nascer e estava tendo problemas com uma infecção hospitalar. Estava internado há dias e seu estado era cada vez pior. Era o Alexandre, de quem mais tarde eu viria ser padrinho e, que, bem mais tarde, seria meu genro, vindo a se casar com minha filha, Giovanna.
Naquela época, as passagens de avião eram de tirar o couro da gente e, a opção era enfrentar as 10 a 12 horas de ônibus, pé duro, de Brasília a Belo Horizonte. E foi assim que me desloquei para lá, quando recebi um telefonema do João, dizendo que o Alexandre não passaria daquela noite, conforme os médicos. Peguei minhas coisas e fui para a rodoviária e lá consegui um ônibus naquela mesma noite.
Sem tempo para passar no apartamento de meus pais, no centro da cidade, segui direto para o hospital, onde estava internado meu sobrinho, na periferia da cidade. Lá me encontrei com meu irmão, completamente derrubado, como se diz em Minas, demonstrando não dormir há várias noites. A criança parecia um ratinho. Cabia dentro de uma caixa de sapato infantil. Tinha a cabeça toda furada por agulhas de soro, pois não se conseguia mais outros lugares no corpinho para as transfusões. Num canto, vi a mulher do João, em profundo silêncio. As notícias não eram boas, ao contrário, eram derrotistas, sem qualquer expectativa positiva. Discretamente, João me chama para conversar fora do hospital. Imaginei que iria falar sobre o estado do Alexandre.
Mas nada disso, João fala de forma assertiva: você não vai ficar aqui. Papai teve um infarto em Esmeraldas. Acabei de falar com o médico e a situação é grave. São momentos em que você está em cima da ponte e ela está ameaçada de cai e você tem que decidir para que lado deve-se correr. Mas o João já havia traçado as coordenadas. Pegamos o carro e buscamos minha mãe em casa, seguindo para a Escola Caio Martins, onde meu pai se encontrava. Em uma hora chegamos e vi meu pai prostrado na cama, consciente, mas sem demonstrar reações de qualquer natureza. Ele me olhou de uma forma diferente dos olhares otimistas que eu estava acostumado a vislumbrar em seus olhos e não senti firmeza. Muitos alunos e professores se encontravam na casa e davam toda atenção a ele. Aproximei-me do médico, que era amigo de meu pai e que, nas eleições, sempre prometia a ele uma boa votação em Esmeraldas, mas que na verdade esse prestígio não se transformava em votos.  Mas meu pai gostava dele. Era um cara jovial, alegre, extrovertido e contador de história. E para o bem de meu pai, ele era especializado em cardiologia. Era tudo o que meu pai precisava naquele momento. Não me lembro do nome dele, não importa. Soube depois que ele se mudou para outra cidade.
E então o médico me diz de forma explícita - seu pai teve um enfarte do miocárdio. Estou aqui de posse dos eletro-cardiogramas, veja. Eu olhava aqueles rabiscos de baixo para cima, que não me diziam nada. E o médico contemplava a minha cara de imbecil total. Dava vontade mostrar um problema de macro-economia pra ele – sou economista, ninguém é perfeito, para ver qual seria sua reação. Minha mãe olhava para o João e João olhava pra mim. E aí, Doutor, o que fazer? Estou aqui pra colaborar no que for possível. Posso levar meu pai para Belo Horizonte agora? Jamais, disse ele; seu pai não tem condições físicas para se deslocar daqui para lugar nenhum. O estado dele é gravíssimo.
Mas Doutor, o que fazer então, se ele aqui não tem condições de atendimento, condizente com o estado em que ele se encontra. É, mas ele não pode sair daqui não. Ele não agüentaria chegar a Betim – cidade situada no meio do trajeto para Belo Horizonte. Fiquei desorientado, sem saber o que fazer, andando de um lado para outro, imaginando tudo o que me era possível para solucionar aquele impasse. Ultrapassava os meus humildes limites de raciocínio. Disse então ao médico que iria a Belo Horizonte pensar numa solução. O meu desejo era levar um médico, com os para-médicos e ambulância equipada, para atender a meu pai. Mas vamos ver o que existe pela frente. Despedi do meu pai, com os olhos. Foi uma troca de olhar triste, muito triste, aproximando-se de um olhar de despedida. Minha mãe ficou ao lado dele.
Chegando a Belo Horizonte, fomos direto para o Hospital, onde se encontrava o filho do João Lincoln. A situação da criança era a mesma – crítica. Meu Deus, o que fazer numa situação dessas? Um sobrinho terminal e o pai enfartado. Minha mãe também tinha saúde frágil. Mas num lance de HEURECA, João disse sem pestanejar: vamos arranjar um helicóptero. A primeira vista pareceu ser uma coisa descabida, até meio maluca. Não tínhamos acesso a esses meios de transporte e era, para mim, algo muito distante. Mas foi uma idéia. Como materializá-la!
A imaginação começa a fruir quando lembrei-me de procurar o cunhado de minha irmã, então Deputado, Paulino Cícero, que à época era Secretário de Educação do Estado. E para lá, rumei. Na frente da Secretaria havia uma manifestação imensa de professoras primárias, reivindicando tudo que era possível naquele dia. Tinha que ser. Eu não sabia nem como entrar na Secretaria. O clima era terrível, pois alguns funcionários, de forma estúpida, começaram a jogar água nas professoras.  A revolta se tornou odienta, fazendo com que as palavras de ordem mudassem para ofensas e outros impropérios impublicáveis. Mas, diante daquela situação, dei a volta e entrei pela porta dos fundos do prédio, buscando localizar o Gabinete do Secretário. A Secretaria funcionava em um prédio muito antigo, mas uma construção “art nouveau”, à época muito comum na cidade, uma influência da arquitetura francesa. As parede eram grossas e não haviam colunas. O teto continha pinturas já desbotadas, mas bonitas. Uma enorme escadaria me levaria até a parte superior. Lá, me identifiquei e disse ao funcionário que precisava falar com urgência com o Secretário. Argumentou que ele se encontrava numa reunião buscando uma solução para a greve dos professores e, uma saída honrável para aquele episódio do banho de água nos mestres. A repercussão eleitoral para ele seria catastrófica.
O funcionário entrou e retornou rapidamente, autorizando meu ingresso. Havia uma sala enorme, com uma mesa imensa de jacarandá, linda, rodeada de técnicos, assessores e pessoal da segurança, enfim, mais de 20 pessoas dando palpites e eu lá, tentando arranjar um helicóptero. Naquela época não havia telefone na Caio Martins, e muito menos celulares. Então, como saber do estado de saúde de meu pai. Paulino, como eu o chamava, me colocou sentado a seu lado na reunião e perguntou qual a razão daquela urgência. Relatei o problema do meu pai e o diagnóstico do médico-cardiologista, de que o estado de saúde dele era gravíssimo e sua remoção de automóvel, era impossível de se processar, pois ele não resistiria.  Paulino ficou preocupado e perguntou-me o que  estava pensando. Comentei com ele sobre o estado de saúde do filho do João Lincoln e disse sobre a sugestão apresentada por ele. Um helicóptero. O Secretário, a princípio meditou, por alguns instantes. Em volta dele aqueles homens cochichando uns com os outros e me sentia extremamente constrangido, pois havia presenciado aquela confusão na porta da Secretaria e a pressão sobre o Secretário era bárbara. Paulino mandou chamar seu Chefe de Gabinete,  mandando-o contatar com o Chefe do Gabinete Militar do Governador do Estado. Francelino Pereira era o Governador. Paulino conversou detalhadamente com o militar, por alguns momentos, dando uma prioridade zero ao meu problema. Disse ao Paulino que, caso meu pai piorasse imaginava leva-lo para Hospital do Coração, em São Paulo. Nem parecia que lá fora estava aquela tormenta, e, dificilmente aqueles professores arredariam o pé dali, sem uma solução definitiva. Paulino, concluiu a fala e me disse: o helicóptero está à disposição de vocês. Combine a rota a ser realizada com o pessoal do Gabinete Militar e traga seu pai para cá imediatamente.  Quando sai do prédio, olhei para o Secretário que tinha um semblante sério e contraído. Como agradecer? Só um abraço fraterno.  Para ele, muitas coisas ainda estavam por vir. Era um inferno em sua pasta. Quanto a mim, já existia um caminho traçado.
Com tudo o que eu precisava e queria, rumei para o Gabinete Militar e traçamos as coordenadas com os militares e o piloto. Peguei o João e fomos para a Caio Martins, situada no município de Esmeraldas. À época, a estrada era em grande parte de terra, e suas condições precárias. Encontrei meu pai deitado, totalmente vencido. Relatei a ele sobre a situação que o médico havia descrito e as providências tomadas para o seu deslocamento. Ele deu um sorriso: “que bom que as crianças da Caio Martins vão poder ver um helicóptero de perto”. Conversei com o médico, que se prontificou a acompanhar meu pai no helicóptero, juntamente com minha mãe. Mas o estado de saúde do Alexandre continuava crítico. Mesmo assim, João ainda me acompanhou até o Aeroporto para aguardarmos a chegada histórica do helicóptero. Quando avistamos o bichinho lá no ar, me emocionei. Descia meu pai, com um sorriso nos lábios, dizendo que a meninada estava toda feliz em poder conhecer um aparelho daqueles, de perto. Disse que o helicóptero pousou no campo de futebol da Escola, onde ficaram centenas de crianças e adultos, aguardando a saída do vôo. Foi uma festa, pela feição de meu pai, comentando. Conversei com o médico que ratificou seu diagnóstico em relação ao estado de saúde de meu pai - INFARTO. Antes, havia mantido um contato telefônico com a médica-chefe do Hospital do Coração em São Paulo, Dra. Maria Helena, jovem, bonita e elegante, para uma eventual necessidade de levar meu pai para a Capital paulista. Era ela auxiliar direta do Dr Adib Jatene, o papa da cardiologia no Brasil.
Mas tivemos uma agradável surpresa. A Chefia de Gabinete, mantendo contato com o Governador, autorizou o envio de um avião do Estado para conduzir meu pai até São Paulo. João e o médico ficaram em Belo Horizonte e seguimos, eu, minha mãe e meu pai para a Capital paulista. A viagem foi tranqüila e rápida. Nunca me senti tão prestigiado. Estava acima do bem e do mal.  Já prevendo o problema do trânsito em São Paulo, entrei em contato com meu sogro, à época residindo em São Paulo, pedindo-lhe que nos pegasse no aeroporto. Assim, o fez e seguimos direto para o Hospital do Coração. Fomos recebidos pela equipe de cardiologia do hospital, pois as notícias da saúde de meu pai já haviam chegado antes de nós. Logo fomos alojados em um apartamento, mais bem equipado do que qualquer UTI de hospital de Belo Horizonte. Realmente, um excelente nosocômio. Meu pai foi levado a fazer uma bateria de exames, durante todo o dia enquanto eu e minha mãe aguardávamos no apartamento. Uma gripe forte, começou a tomar conta dela. Mais essa. Ela estava muito fragilizada e eu precisava que ela estivesse bem para acompanhar meu pai, pois eu teria que providenciar a papelada para a internação de meu pai. Eram documentos de INPS, seguro saúde, enfim, coisas que o hospital exigia para a internação e, naturalmente o ressarcimento das despesas, que ali, não seriam poucas. Mas minha mãe piorava cada vez mais e terminou prostrada na cama do hospital, tendo eu que chamar médicos para atende-la.
Mas a expectativa em relação aos exames era cada vez maior. O quadro pintado pelo médico de Esmeraldas era o pior possível. Comuniquei a todos os irmãos a situação de meu pai, para que se preparassem para o que pudesse a vir a ocorrer. Meu pai parecia ser o mais tranqüilo de todos. Estava com uma fisionomia boa e se alimentava bem. O problema agora era D. Márcia, com aquela gripe fora de hora.  Eis que entram no apartamento o Dr. Adib Jatene, Dra. Maria Helena e mais uns três homens de branco, que imaginei serem também cardiologistas. Olhei para Maria Helena e ela sorriu. Era difícil àquela altura interpretar aquele sorriso. Nem Mona Lisa tinha aquele sorriso. Indescritível. Dr. Jatene se aproxima do leito de meu pai e diz. O SENHOR NÃO TEVE INFARTO !!!!!!  Eu não entendi nada. Havia levado os eletros e entregue, juntamente com outros exames e descrição de procedimentos realizados, ainda na Caio Martins. POIS É, confirmou ele, NÃO FOI INFARTE. O senhor tem o coração bastante dilatado. Se tivesse que fazer algo, seria um transplante, mas isso seria em última hipótese. Olhei para Maria Helena e entendi o seu sorriso. Ela acompanhou meu desespero em todos os momentos em que estive no hospital. Ela almoçava e lanchava no hospital e sempre nos encontrávamos para falar sobre o episódio. Despediram de meu pai e deixaram o apartamento. Ficamos, eu, minha mãe e meu pai olhando um para a cara do outro. Patéticos.
E AGORA? O que vamos dizer pra todo mundo. Pro Governador, pro Secretário, pro João Lincoln, para os irmãos, para os alunos e funcionários da Caio Martins, para a criançada que viu meu pai sair num helicóptero. E o médico, como é que vai ficar nessa história. Falamos e falamos e meu pai ouvia e esboçava um sorriso jocoso. Acho que ele foi o único a curtir todo aquele estado de coisas. Vendo que não havia uma solução plausível para o caso, convenci meu pai a assumir toda aquela história. Para todos os efeitos, ele o senhor teve um INFARTO. Vai passar uma temporada aqui no hospital e depois vai para a casa de minha irmã, em Bragança Paulista, curtir o descanso merecido do velho guerreiro.
Mais tarde, ligamos para os irmãos dando boas notícias, e recebemos a informação do João de que o Alexandre teria recebido alta no hospital.
Mas são tantas as histórias, lembranças interessantes, até engraçadas, outras tristes, na trajetória de vida de meu pai, mas, com certeza posso dizer que sinto-me orgulhoso ao falar que sou filho de um POLÍTICO. O POLÍTICO MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA.

CLÁUDIO ANTÔNIO DE ALMEIDA – segundo filho do casal Manoel de Almeida/Márcia Almeida. Economista e Advogado.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Depoimento de Ana Maria Lopes


Ele vinha com aquele andar de pés aberto. Sempre uma pasta de papel em baixo dos braços. Nas pastas, seus sonhos. E caminhava com a calma dos sonhadores.

Essa é uma imagem recorrente quando penso em Manoel de Almeida. Seus sonhos eram tão fortes e verdadeiros que nada o perturbava. Nas pastas, dezenas de projetos de lei em benefício da criança carente e abandonada. Páginas de discursos, anotações, recortes de jornais e projetos. Muitos.

Aquelas pastas, organizadas com uma ordem muito pessoal, só ele as entendia. Ao redigir ou ditar um discurso, parava por segundos e tirava de dentro daquela babel de papeis, uma anotação tão precisa, tão correta, que arrematava seu pronunciamento com fecho de ouro.

Nada o tirava de Minas. Sua mineirice aparecia na simplicidade que o acometeu a vida inteira. Um homem que falava e vivia com sua gente. Nem mesmo em andanças pelos palácios da República, Manoel de Almeida se desvestia de sua simplicidade.

O melhor exemplo do que falo aconteceu em uma tarde em seu gabinete na Câmara dos Deputados. Ele esboçava seu relatório da CPI do Menor. Ao seu lado, além das colunas de papel, uma pequena cesta com tangerinas que trouxera de um pequeno sítio em Taguatinga.

Pela porta de vidro vi que um homem baixo e meio cabisbaixo caminhava na nossa direção. Quando ele chegou perto vi que era o então deputado Tancredo Neves – ex primeiro ministro da nossa rápida passagem pelo parlamentarismo, ex senador, ex ministro e tantos cargos mais -.  Corri para a sala onde Manoel de Almeida estava para avisar da ilustre visita. Não deu tempo. O também mineiro Tancredo Neves, que viria a ser presidente do Brasil como candidato da Aliança Democrática, entrou sem maiores avisos. Os dois se cumprimentaram e eu fui correndo avisar à copa para levar café e água. Mas nada de copos de plástico, por favor! Usem o serviço de louça, pedi.

Voltei ao gabinete quase ao mesmo tempo em que chegavam a água e o café, como pedira. Ao entrarmos na sala – o garçon e eu – não acreditamos no que vimos.
Manoel de Almeida e Tancredo Neves conversavam relaxados no pequeno sofá do escritório e os dois – sim, os dois – descascavam e comiam tangerinas como meninos em recreio.

Aqueles dois mineiros viviam ali a sua simplicidade. E o cheiro da fruta, as cascas colocadas em cima de uma folha de jornal e a conversa política sem rodeios, virou para mim a imagem do homem: Manoel de Almeida



                             Ana Maria Lopes