Pediram-me
para escrever alguma coisa no Blog do Centenário de Nascimento de meu
pai, MANOEL DE ALMEIDA, mas constato agora, não ter entendido exatamente
o espírito da coisa. Também foi a primeira vez que li e escrevi para um
Blog. Acho que extrapolei. Pelo que vejo, o Blog tem que ser mais
enxuto. Esse vai ser o último e, se possível, vou tentar ser bastante
sintético, grande esforço, mas vou continuar escrevendo, pra mim mesmo,
algumas coisas que guardei nesses meus já longos anos de vida e que
chegou a hora de colocar pra fora. Vamos lá, esse é o
FELIZ ANIVERSÁRIO.
Fazer
aniversário, para homem ou para mulher, depois dos quarenta anos é uma
lástima. Dizem que, depois que entramos nos ENTA, a coisa pega. Só
acaba, quando chega nos NOVENTA e depois, vêm os cem anos, coisa que é
pra poucos e, pelo que tenho visto, não vale muita coisa, só para os
laboratórios de medicamentos geriátricos e fabricas de cadeiras de roda.
Mas, irremediavelmente, sempre chega o seu dia de aniversário e você
tem que agüentar os gracejos daquelas pessoas totalmente desprovidas de
senso de humor, mas que se sentem na obrigação de dar aqueles toques
desagradáveis, para que você tenha mais ódio dos anos que esta fazendo.
Ah, como um dia desejei fazer dezesseis anos para assistir o filme:
“Cavaleiros da Távola Redonda”. Puxa, Robert Taylor. Hoje, nem sei se
existe o DVD. Passava no cine Metrópole, em Belo Horizonte. Hoje deve
ser um espaço evangélico, como a maioria dos cinemas de lá.
E
o aniversariante do dia era o meu pai, MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA. Sim, e
nem eram quarenta anos, mas SESSETA longos anos vividos. Para nós, de
uma geração sem pressa, era uma eternidade. Lembro-me dos meus avós,
como eram velhinhos. E quando vejo no verso das fotos deles, as
anotações de que tinham menos de sessenta anos, me assusto. Incrível,
mas é verdade. Eles eram velhos com quarenta anos. Meus tios me mandavam
tomar a benção deles. Que coisa terrível. A gente tinha que beijar
aquelas mãos, muitas vezes mal lavadas, mas em sinal de respeito. Mas
que respeito terrível. Meus sobrinhos sempre me chamaram de Cláudio e
meus filhos de você. Mas o senhor naquela época era imperativo,
impositivo e irritante. A gente não discutia uma ordem, bastava somente
um olhar e agente colocava o rabo entre as pernas e saia de fininho para
o quarto. Hoje se eu for dar uma olhada para um neto, ele talvez dê uma
piscada pra mim, pra retribuir o imaginado carinho. É, o tempo passou e
muito rapidamente. Um amigo uma vez disse que deu uns tapas no filho
porque ele estava no quintal e chovia. Gritou várias vezes para o menino
sair do quintal e o menino nada. Foi lá e deu uns tabefes no guri. E
este, meio sem entender nadica de nada, pergunta ao pai: o que é
quintal?
Mas
o trauma do meu pai veio aos sessenta anos. O meu veio aos quarenta. E
bateu pesado demais. Não sei, passou tudo o que havia de pior,
impotência, incontinências diversas, insegurança, solidão, etc. Os
psicólogos é que faturam alto nesses momentos. Surgem teorias de todas
as formas e fica difícil adequar uma delas ao nosso perfil, mas tem que
se enquadrar, nem que seja por fórceps. Eu estava separado há pouco
tempo e imaginava, como todos os separados, que iria transar todas as
mulheres do mundo. Mal sabíamos que, o tempo em que ficamos fora do
mercado, a fila andou, e como andou, a passos muito largos, deixando-nos
muito para trás, não conseguindo mais entender a linguagem das pessoas,
os hábitos, os desejos, o jogo da paquera O mundo mudara, desde o meu
casamento, e olha que não fiquei casado por muito tempo. Nesse momento,
os amigos que não querem dar palpite, mas interferindo sempre, indicam
um psicólogo pra gente. E nunca mais conseguimos nos desligar dessa
turma. Quando Wood Alley dizia que fazia análise há 26 anos, eu achava
um absurdo. E a minha geração toda passou por ela. São quarenta anos de
psicanálise. Os entendidos, indicam pra gente começar devagarzinho, sem
precipitação, fazendo uma biodança, depois vem a psicodança. Aí
sofisticam e surge a análise transacional. É tudo de bom pra quem não
entende de nada e com certeza, vai sair de lá sabendo menos ainda. Vem
a análise individual, mas logo em seguida, somos promovidos a uma
análise de grupo. Lá conhecemos gente que está muito pior do que você e
se diz de bem com a vida. Quase todos são separados e os que não o são,
dificilmente saem dali casados. Aí vem seu terapeuta e indica um
acupunturista, uma massagista dos pés ou um curso especial, desses que
prometem tudo, transformar sua vida, enxergar-se por fora e,
principalmente, mexer no seu ego e até no super-ego. Acho que nada
melhor do que um decorador para isso, arrumar os interiores de minha
vida. Mas muitos teimam em manter um psicólogo de plantão. Um dia vão
acabar no Tibet e não conseguirão resolver seus próprios problemas.
Quando vi na China um monge budista teclando um computador, pensei. –
faliram todos os valores espirituais budistas. E tomara que minha
psicóloga não leia isso. O homem e suas circunstâncias. Mas isso foi que
gerou a expectativa em atingir os quarenta anos. Agora, imagino os
sessenta anos de meu pai, que tormento terrível ele viveu.
Eu
o via cabisbaixo, triste mesmo. E perguntei-lhe o que era. E ele
falou-me como numa confidência que se faz na hora da morte e pra não
contar pra ninguém: Amanhã faço 60 anos. A boca dele ficou tão cheia de
anos que achei que era muito mais. Puxa, já pensou, mais de meio século.
Antigamente os séculos demoravam muito mais do que os séculos de hoje.
Outro dia era século vinte, agora já não é. O filho de meu sobrinho, de
sete anos, de forma gostosa, perguntou-me se eu nasci no século passado.
Revoltante, mas a gente vai se adaptando à ironia dessa geração. E olha
que nossos filhos já passaram batidos. Os advirto, curta mesmo, passa
rápido pra caramba. Você não vê o tempo passar. Nada pior do que já ver
os netos, aí, impunemente, sem que você possa fazer nada. E eles lhe
chamam de VOVÔ, em voz alta, perto das pessoas que a gente ainda imagina
receber um olhar. Que ódio, mas é o tempo, e como é fatídico.
Sim,
disse meu pai, amanhã faço sessenta anos. E lhe perguntei como sentia?
Aquelas perguntas idiotas, que todo jornalista faz, no futebol, na
novela, no teatro, na política, na vida. “Como você se sente com
sessenta anos”. Vontade dar-lhe exatamente aquela resposta, mas temos
que nos conter e dar aquela resposta hipocritamente, socialmente e
eticamente plausível. Mas ele respondeu como 95% das pessoas
responderiam. Bem, o tempo passou muito rápido. Disso temos certeza, mas
quem responde, está imbuído de valores derrotistas, violentados,
agredidos pela juventude que se renova a cada segundo e a gente tem a
certeza de que, daqui pra frente muitos ENTAS, já ficaram
para trás. É, dá vontade ajudar de alguma forma. Não existem
comprimidos, receitas que possam amainar esse estado de espírito,
nenhum, nem os psicólogos, talvez os psiquiatras com uma boa dosagem de
ansiolíticos e anti-depressivos. Só resta aquele tapinha nas costa, que
representam o consolo ao derrotado. É melhor mesmo ficar calado, e se
possível, para sempre, ao invés de dizer aquelas asneiras que só ouvimos
daquelas pessoas treinadas nos grupos de salvamento, para evitar o
desenlace fatal. Bonito, né?
Era
o dia 23 de setembro. Meu pai acorda cedo, pega a Rural Willys, o carro
da época, e vai para a fazenda, junto com seu amigo Pereirão, da cidade
de Unaí, onde sempre fazia campanha eleitoral para o Coronel, e que,
por estar aposentado, mudou-se para Brasília e fazia uns bicos no táxi. É
a maior violência, tirar o homem do meio rural e colocá-lo no trânsito
de qualquer Capital. Em troca do bem estar da família, muito estranho.
Nem dez anos de terapia dariam jeito. Mas na falta dos filhos que não
mais queriam acompanhar o sex, ou melhor, o sexagenário, MANOEL DE
ALMEIDA, nas infindáveis viagens de fins de semana, fugindo das mesmices
de Brasília, o velho Pereirão, sempre estava presente. Ele gostava
muito de meu pai e sabia dos gostos dele. Lembrava-me de uma véspera de
eleição em Unai, quando eu estava com ele percorrendo alguns Distritos,
tentando conseguir alguns votinhos, para os já minguados votos que
surgiam na cidade, após o poder econômico bater pesado na região. Quando
me lembro que os primeiros motores de luz, nas cidades de Unaí e
Paracatu, foram colocados por meu pai, além de escolas, pontes, balsas,
bolsas de estudo, etc. MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA, se elegia a base de muito
trabalho e sacrifício, e eu sou prova inconteste disso. Um dia em
Paracatu, estava passando o material de propaganda de meu pai às
pessoas, quando uma moça vê sua foto e diz: Minha mãe só vota nesse
homem. Que bom, disse eu, e você? Ela disse que votava no MDB, mas que a
mãe gostava muito dele, pois havia dado a ela, aquela ingrata, uma
bolsa de estudos, de sete anos. Coisas assim, desestimulam qualquer
político – a ingratidão. Uma vez perguntei a meu pai, o por que dele não
ter preparado nenhum filho para a política. E ele disse: A ingratidão,
meu filho, sofri muita ingratidão e discriminação, por ter uma origem
humilde. Não desejava isso para meus filhos. E continuei, por que então
não preparou nenhum filho para substituí-lo na obra “caiomartiniana”.
Ele parou, e com muita assertiva disse: ISSO É MISSÃO. Não é um desejo
ou vaidade de uma pessoa que o levaria a assumir um
trabalho desses. É uma missão e poucos estão direcionados para tal.
Eita, mas surgiu outra história dentro da história. Eu falava do
Pereirão e fazíamos campanha política na cidade de Unai. Pois bem,
quando chegou a noite, ele me levou para uma pensão para jantar. Era
simples demais, sou muito nojento e presenciava atos que me incomodavam
muito, principalmente na hora da jantar. Ele disse que iríamos dormir
lá, pois o povo gostava de ver a gente convivendo com eles e coisa e
tal. Hábitos de políticos demagogos. O banheiro era no fundo do corredor
e o vaso ficava acima de uma fossa, onde eram visíveis uns bichinhos
nadando naquela água imunda. Mas a causa era nobre e tinha que enfrentar
aqueles preconceitos urbanoides. Não havia televisão, assim, fomos
dormir logo em seguida. O travesseiro fedia, mas fedia demais. A roupa
de cama não devia ser lavada há meses e, o cobertor estava até duro de
sujeira. Tinha pernilongos atacando por todos os lado e, numa velocidade
e ruído que faziam qualquer um desejar o sol nascer. Eu não sabia se
colocava a cabeça debaixo do cobertor, onde o mal cheiro era
insuportável, ou se colocava para fora, a mercê daqueles malditos
insetos. Aquela noite deve ter demorado meses. O quarto tinha umas dez
camas. E os roncos eram de uma orquestra que começa a afinar seus
instrumentos, antes do concerto. E o bumbo era o mais potente de todos,
somados às flautas, sim, pois tinha assobios e falantes noturnos.
Pois bem, lá se foi meu pai naquela empreitada de fuga de idade, juntamente
com o Pereirão. Mas com certeza o velho cabo-eleitoral iria mudar a
feição de meu pai, contando casos e mentiras para melhorar o estado de
espírito do velho guerreiro. Não era fácil, chegar impunemente aos
sessenta anos. Alguma coisa tinha que acontecer. Naquele dia eu me
preparava para ir a uma festa. Essa como outras tão desimportantes
quanto tantas que foram extremamente importantes em certos momentos
importantes de nossas vidas. É como aquele filme bom que você fica até
as quatro da manhã assistindo e no dia seguinte não consegue lembrar do
nome. Da festa eu não me lembro, mas a história dos sessenta anos do meu
pai, nunca saiu da minha cabeça. E eu passei por esses sessenta e
recordei muito aquela angústia paterna.. Felizmente, o meu trauma tinha
sido aos quarenta. Mas foi sem emoção.
Já
eram mais de 23:00 horas e eis que chegam, meu pai e o Pereirão, todos
molhados, sujos, mas imundos mesmo de lama. Tudo podia ter acontecido,
naquele desaniversário, mas que não fizesse tão mal assim ao meu pai. E
então ele relata, pausadamente. “Estávamos bem próximos da fazenda,
quando, de repente, sai de dentro da ponte, coberta de terra, num
daqueles buracos que se abrem provocados pela erosão da chuva, um
menino. Sim, um garoto. O carro vinha em velocidade razoável, quando a
criança coloca a cabeça para fora, fazendo com que o velho Pereirão, não
imaginasse outra alternativa, senão dar um golpe de direção para a
direita, na velha Rural, do Coronel Almeida. E vai o veículo para dentro
do riacho. O que aquele danado de garoto tava fazendo naquele lugar? O
carro caiu, meio de banda, com o lado direito, onde estava meu pai,
para dentro dágua. O outro lado não chegou a ser tomado pela água
barrenta, mas Pereirão, com a virada, caiu em cima do meu pai. Para se
levantar, no desespero, colocou o pé no rosto do meu pai para forçar a
saída da Rural. De cima da ponte, observava curioso o garoto, sem
imaginar que fora o responsável por aquilo tudo. Já de fora do veículo,
Pereirão puxa meu pai para cima e o traz até um barranco próximo à
ponte. Estavam encharcados, sujos e para dizer a verdade, muito
chateados, para não dizer exatamente a expressão que retrataria,
literalmente, todo o sentimento de raiva de ambos. Passando um carro em
direção a Brasília, pegam uma carona e deixam, malas e tudo mais dentro
da Rural. Fico imaginando o que se passou na cabeça de meu pai, naquelas
quase quatro horas de viagem de retorno, pensando no ocorrido e na
explicação a ser dada a toda a família. Mas o drama da figura dos dois,
tirava qualquer embalo de brincadeira ou sátira. Meu pai estava
derrotado, vencido mesmo, pelos sessenta anos e pela trágica fuga das
comemorações do anti-niver. Minha mãe logo preparou um café bem quente e
o levou para um banho mais quente ainda e lhe disse: FELIZ ANIVERSÁRIO.
Eu segui para minha festa, imaginando que muitas outras festas viriam,
como vieram, mas não marcaram como a presença da marca de uma botina no
rosto.
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