CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA
CAIO MARTINS, 30 DE MARÇO DE 2012
Discurso proferido pela Viúva MÁRCIA DE SOUSA ALMEIDA
Estamos aqui reunidos para dar início ao conjunto de eventos que comemoram, em 23 de setembro deste ano, o CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA.
Muitos
fatos relevantes poderiam ser relatados, considerada a longa e profícua
existência, com ele convivendo, como esposa e companheira das lutas que
enalteceriam seu inegável valor humanista, pelo conjunto de sua obra e
que a sociedade reputa como dignificante. Teria certamente que dar aqui
um longo depoimento.
Já
tive a oportunidade de fazer esse depoimento, como Educadora, quando
tomei a complexa empreitada de escrever um livro biográfico versando
sobre nossas vidas e, acreditem, à época, já estava com 87 anos, quando
publiquei o livro SEMEANDO E COLHENDO, em Belo Horizonte, em
2005, divulgado em vários lançamentos, tornando-se leitura
imprescindível de toda a família “caiomartiniana” e de amigos.
Hoje,
aos 94 anos, careço de forças físicas para me permitir estender
adiante, visto minhas condições de saúde, tanto que estou me permitindo
ler este texto, quando quem me conhece, sabe que sempre preferi o
improviso emocionado, e que me permite olhar nos olhos dos presentes,
claro, quando não ficam emocionados.
Penso, diletos amigos, alunos, chefes de lares, professores, diretores, funcionários, que MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA, foi sobretudo um inventor de idéias, de diferenciados e modernos processos pedagógicos e civilizatórios.
Hoje
é moderno falar em holismo, integração interdisciplinar e mesmo
transdisciplinar na educação, desenvolvimento auto sustentável, direitos
de cidadania, inclusão étnica, cultural e de gêneros, além da globalização da comunicação que torna todas as pessoas um só corpo orgânico.
Todavia, com toda a simplicidade que o Evangelho de Jesus e seus seguidores nos ensinaram, fez MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA acontecer aqui, inovações bem antes disso tudo acontecer, porque viveu fora de seu tempo.
Pois
bem, continua sendo uma concepção moderna a construção de uma escola
sem fronteiras físicas, que rompe o isolamento institucional, abrindo-se
para o mundo, como o fez desde o primeiro momento em que se criou a
Granja Escola Caio Martins, numa forma simples, integrando num único
corpo, Lar, Escola, Comunidade, Trabalho Produtivo, a Vida lá fora e
aqui dentro. Pois esta Escola não se restringia aos bancos escolares,
mas acontecia nas Oficinas de Artes e Ofícios, nos Canteiros, no Culto
Religioso, na Música.
Na
vivência dentro das Casas-Lares, dotadas de vida, absolutamente normal e
ambiente natural, onde pais e mães e seus filhos biológicos acolhiam
outros filhos e irmãos reais e essas crianças, ainda que não adotadas
formalmente, conviviam legitimadas na amorosidade reinante, tanto
meninos como meninas, um grande avanço, pois as escolas à época,
discriminavam o gênero por fileiras de bancos separados, ou eram as
escolas exclusivamente masculinas ou femininas. Na verdade, uma grande
família comunitária, onde todos reconheciam que nossos próprios filhos,
netos e bisnetos, sempre fizeram e ainda dela fazem parte.
Na música que embalou os sonhos de CAIO MARTINS
que se reunia em torno do Coro Orfeônico “Catulo da Paixão Cearense”,
cantando as brejeiras e melodiosas modinhas mineiras e nordestinas;
levando a música de Villa-Lobos e o folclore; os versos poéticos de Saul
Martins, e outros compositores das regiões de procedência das crianças,
valorizando o trabalho do homem do campo.
No
convívio diário com a natureza, na criação de animais, no plantio dos
alimentos produzidos por eles mesmos, na edificação das casas-lares e na
fabricação de móveis e artefatos construídos pelos próprios alunos.
Nas
verdadeiras cartilhas de vida, que fazem parte das mais profundas e
melhores reminiscências dos professores, que se formaram, profissionais
liberais aqui iniciados; os especialistas em agropecuária, pois era isso
o que fazíamos no início da Obra.
No
caminhar como escoteiros, líderes cantavam o Rataplan, seguindo “a
passos firmes e na trilha do dever”, como nos ensinou em seu lema de
autonomia e determinação do “CAMINHAR COM AS PRÓPRIAS PERNAS”, o menino-herói CAIO VIANA MARTINS.
No
cavalgar nos animais, no deslocar em jardineiras, caminhões, nos
tratores agrícolas e de esteira, fazedores de estradas pioneiras.
No
viajar, no Anjo Verde, que sobrevoava céus nem sempre de brigadeiro,
por entre nuvens e montanhas das alterosas de Minas Gerais, que jamais
esqueceremos e, mesmo depois, quando estendemos até à Granja das
Oliveiras, em Brasília-DF, onde a Caio Martins marcou sua presença no
Planalto Central e na Capital, exemplo de arrojo e determinação do
Presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira.
Nos
barcos que singravam o Paraopeba, o São Francisco, o Carinhanha, o
Coxá, o Urucuia, o Jequitinhonha, nos distantes núcleos e centros que
levaram civilização e serviços beneméritos aos desassistidos chapadões
de bugres, grotões, grandes sertões – veredas e buritis perdidos de
Guimarães Rosa e Mário Palmério. Foi como assistir a uma bela revoada de
sabiás, bicudos, curiós e araras.
Bem
antes de a Internet ligar os lares e mentes, falavam pela rádio
morse-telegrafia, pelo rádio amador, quando não pela linguagem de
bandeiras do escoteiro. Tudo muito moderno e atualizado, numa
antecipação do que seria o futuro.
E
tudo a partir da aceitação de um modelo de amparo à criança desvalida,a
partir da Polícia Militar de Minas Gerais, à época, comandada pelo
saudoso Coronel José Vargas.
Eunice
Weaver, Alaíde Lisboa, Afro Amaral Fontoura, Malba Taham, Oswaldo
Sangiorgi, Áurea Nardelli, Marta Nair Monteiro e companheiros do
magistério mineiro, escritores e educadores e, especialmente, Helena
Antipoff, aplaudiram o primado da simplicidade sobre o hermetismo
clássico da escola concebida pelos educadores europeus e americanos. E
num trabalho célebre da maravilhosa educadora russa que assim,
sintetizou: “eu tenho visto muitas experiências educacionais pelo mundo
todo... mas me curvo diante de uma Escola criada por um militar, cuidada
por militares e suas famílias e, de todas elas, a menos militarizada em
processos disciplinares e educativos...pois singelos, espontâneos e
libertários”.
E
mais o reconhecer que a beleza de toda a construção está na estética da
simplicidade, do despojamento, da amorosidade incondicionada, pois a
criança quer ser amada, a criança não tão somente precisa aprender, mas
viver feliz. Esta criança é o centro de tudo. Como o queria MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA,
o Educador, o Militar e o Político, que se direcionou pelo
desenvolvimento da educação e que, além de exercer a Relatoria da
Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara Federal, que analisou o
problema do menor no Brasil, postulou o Projeto Dom Bosco e o modelo de
uma verdadeira Universidade da Criança, onde a criança seria o objeto de
trabalho, o pilar de edificação voltada para abrigar um mundo mais
fraterno.
Numa
sociedade na qual se previne a insegurança com educação fundamentada,
universalista e pluralista, não há porque buscar remediar o delito
cometido por quem não teve chances dessa inclusão com a alternativa de
encaminhamento a um mundo nebuloso. Como aquele a que se destinou o temido ZÉ MUNIZ e que a sociedade recria a todo instante.
MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA
estava preocupado com a falta de alternativa com aquele garoto que
furtou para conseguir o remédio salvador, de que precisava sua mãe e que
chegara muito tarde, gerando-se então o cidadão vingativo e cruel que a
sociedade deveria evitar para depois não reprimir tardiamente.
Por
isso, ao acatar uma missão para dar solução viável a uma fazenda da
Polícia Militar, de criação de cavalos, chegou aos seus Comandantes e ao
Governador Milton Campos, sugerindo sua utilização na assistência e
educação de crianças desvalidas.
Tomados
de surpresa pela proposta, seus superiores pediram um Plano Básico, que
foi feito com a singeleza de toda obra de arte e que veio a se
transformar numa instituição exemplar que recebeu visitas de Presidentes
da República, Governadores e Autoridades, que reconheceriam e honrariam
seu incontestável mérito.
Por isso, lembrar de MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA,
nos seus 100 anos de nascimento, é falar por absoluto do presente que
se deve produzir a cada instante, pois o futuro apenas depende disso,
pois como ele costumava repetir, a “CRIANÇA É O PAI DO HOMEM”.
Obrigada
a todos que aqui compareceram e cultuaram seu nome e sua vida, eivada
de profundos significados para todos nós. Autoridades, ex-alunos que
vieram de tão longe e tantos amigos e familiares que nunca se afastaram
de nós e que lamento não ter condições de nominar a todos. Um
abraço especial a meus filhos, netos e bisnetos, que sempre me deram
todo apoio ao longo de minha vida e durante o período em que Presidi a FUNDAÇÃO CAIO MARTINS
e, principalmente, durante sua infância repartida, pois meus filhos
tiraram do tempo e do espaço de si próprios e ao fazerem com inegável
despojamento consignaram amorosidade aos nossos outros também amados
filhos que para aqui acorreram vindos de todas as regiões do Estado e do
País. E disso resultou poderem angariar todo o crédito e das boas
sementes quando plantadas, viabilizam alvissareiras colheitas.
MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA está
entre nós. E eu o sinto de forma profunda e consciente, pelo seu
pensamento, inteligente, magnetismo, criatividade, determinação, leveza e
doçura, em que pese militar - era um homem que gostava de tocar
bandolim e flauta doce, sua nobreza de caráter, disciplina, honradez,
probidade, lealdade aos seus elevados princípios e por ser profundamente
espiritualista e crente no Criador que nos mostra a luz e o caminho a
ser seguido, quando adentramos na seara de cada um de nós, de redenção e
serviço aos mais aflitos e aos desvalidos de toda sorte.
Que Deus abençoe ao MANOEL por tudo que foi e é e, nos Abençoe a Todos, com a mesma luminosidade.
Caio Martins, 30 de Março de 2012
MÁRCIA DE SOUSA ALMEIDA
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