Há alguns dias,
fiz um texto intitulado “Jogo de Damas”. Pois não é que a minha história
mexeu com algumas pessoas? Recebi de presente, três JOGOS DE DAMA. Acho
que se condoeram da minha frustração e decidiram presentear-me.
Mas tudo aquilo foi apenas um momento de vida, onde aprendi a ver o
mundo com um olhar maior. E nisso, tive meu pai, MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA,
como mestre. Valeu. Cláudio A. Almeida.
No dia 23 DE SETEMBRO DE 2012 Manoel José de Almeida completaria 100 anos. Deixei aqui seu recado, sua história, ou uma lembrança de momentos que teve ao lado dele.
quinta-feira, 12 de abril de 2012
quarta-feira, 4 de abril de 2012
Discurso proferido por MÁRCIA DE SOUSA ALMEIDA no evento de abertura do Centenário de Manoel José de Almeida
CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA
CAIO MARTINS, 30 DE MARÇO DE 2012
Discurso proferido pela Viúva MÁRCIA DE SOUSA ALMEIDA
Estamos aqui reunidos para dar início ao conjunto de eventos que comemoram, em 23 de setembro deste ano, o CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA.
Muitos
fatos relevantes poderiam ser relatados, considerada a longa e profícua
existência, com ele convivendo, como esposa e companheira das lutas que
enalteceriam seu inegável valor humanista, pelo conjunto de sua obra e
que a sociedade reputa como dignificante. Teria certamente que dar aqui
um longo depoimento.
Já
tive a oportunidade de fazer esse depoimento, como Educadora, quando
tomei a complexa empreitada de escrever um livro biográfico versando
sobre nossas vidas e, acreditem, à época, já estava com 87 anos, quando
publiquei o livro SEMEANDO E COLHENDO, em Belo Horizonte, em
2005, divulgado em vários lançamentos, tornando-se leitura
imprescindível de toda a família “caiomartiniana” e de amigos.
Hoje,
aos 94 anos, careço de forças físicas para me permitir estender
adiante, visto minhas condições de saúde, tanto que estou me permitindo
ler este texto, quando quem me conhece, sabe que sempre preferi o
improviso emocionado, e que me permite olhar nos olhos dos presentes,
claro, quando não ficam emocionados.
Penso, diletos amigos, alunos, chefes de lares, professores, diretores, funcionários, que MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA, foi sobretudo um inventor de idéias, de diferenciados e modernos processos pedagógicos e civilizatórios.
Hoje
é moderno falar em holismo, integração interdisciplinar e mesmo
transdisciplinar na educação, desenvolvimento auto sustentável, direitos
de cidadania, inclusão étnica, cultural e de gêneros, além da globalização da comunicação que torna todas as pessoas um só corpo orgânico.
Todavia, com toda a simplicidade que o Evangelho de Jesus e seus seguidores nos ensinaram, fez MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA acontecer aqui, inovações bem antes disso tudo acontecer, porque viveu fora de seu tempo.
Pois
bem, continua sendo uma concepção moderna a construção de uma escola
sem fronteiras físicas, que rompe o isolamento institucional, abrindo-se
para o mundo, como o fez desde o primeiro momento em que se criou a
Granja Escola Caio Martins, numa forma simples, integrando num único
corpo, Lar, Escola, Comunidade, Trabalho Produtivo, a Vida lá fora e
aqui dentro. Pois esta Escola não se restringia aos bancos escolares,
mas acontecia nas Oficinas de Artes e Ofícios, nos Canteiros, no Culto
Religioso, na Música.
Na
vivência dentro das Casas-Lares, dotadas de vida, absolutamente normal e
ambiente natural, onde pais e mães e seus filhos biológicos acolhiam
outros filhos e irmãos reais e essas crianças, ainda que não adotadas
formalmente, conviviam legitimadas na amorosidade reinante, tanto
meninos como meninas, um grande avanço, pois as escolas à época,
discriminavam o gênero por fileiras de bancos separados, ou eram as
escolas exclusivamente masculinas ou femininas. Na verdade, uma grande
família comunitária, onde todos reconheciam que nossos próprios filhos,
netos e bisnetos, sempre fizeram e ainda dela fazem parte.
Na música que embalou os sonhos de CAIO MARTINS
que se reunia em torno do Coro Orfeônico “Catulo da Paixão Cearense”,
cantando as brejeiras e melodiosas modinhas mineiras e nordestinas;
levando a música de Villa-Lobos e o folclore; os versos poéticos de Saul
Martins, e outros compositores das regiões de procedência das crianças,
valorizando o trabalho do homem do campo.
No
convívio diário com a natureza, na criação de animais, no plantio dos
alimentos produzidos por eles mesmos, na edificação das casas-lares e na
fabricação de móveis e artefatos construídos pelos próprios alunos.
Nas
verdadeiras cartilhas de vida, que fazem parte das mais profundas e
melhores reminiscências dos professores, que se formaram, profissionais
liberais aqui iniciados; os especialistas em agropecuária, pois era isso
o que fazíamos no início da Obra.
No
caminhar como escoteiros, líderes cantavam o Rataplan, seguindo “a
passos firmes e na trilha do dever”, como nos ensinou em seu lema de
autonomia e determinação do “CAMINHAR COM AS PRÓPRIAS PERNAS”, o menino-herói CAIO VIANA MARTINS.
No
cavalgar nos animais, no deslocar em jardineiras, caminhões, nos
tratores agrícolas e de esteira, fazedores de estradas pioneiras.
No
viajar, no Anjo Verde, que sobrevoava céus nem sempre de brigadeiro,
por entre nuvens e montanhas das alterosas de Minas Gerais, que jamais
esqueceremos e, mesmo depois, quando estendemos até à Granja das
Oliveiras, em Brasília-DF, onde a Caio Martins marcou sua presença no
Planalto Central e na Capital, exemplo de arrojo e determinação do
Presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira.
Nos
barcos que singravam o Paraopeba, o São Francisco, o Carinhanha, o
Coxá, o Urucuia, o Jequitinhonha, nos distantes núcleos e centros que
levaram civilização e serviços beneméritos aos desassistidos chapadões
de bugres, grotões, grandes sertões – veredas e buritis perdidos de
Guimarães Rosa e Mário Palmério. Foi como assistir a uma bela revoada de
sabiás, bicudos, curiós e araras.
Bem
antes de a Internet ligar os lares e mentes, falavam pela rádio
morse-telegrafia, pelo rádio amador, quando não pela linguagem de
bandeiras do escoteiro. Tudo muito moderno e atualizado, numa
antecipação do que seria o futuro.
E
tudo a partir da aceitação de um modelo de amparo à criança desvalida,a
partir da Polícia Militar de Minas Gerais, à época, comandada pelo
saudoso Coronel José Vargas.
Eunice
Weaver, Alaíde Lisboa, Afro Amaral Fontoura, Malba Taham, Oswaldo
Sangiorgi, Áurea Nardelli, Marta Nair Monteiro e companheiros do
magistério mineiro, escritores e educadores e, especialmente, Helena
Antipoff, aplaudiram o primado da simplicidade sobre o hermetismo
clássico da escola concebida pelos educadores europeus e americanos. E
num trabalho célebre da maravilhosa educadora russa que assim,
sintetizou: “eu tenho visto muitas experiências educacionais pelo mundo
todo... mas me curvo diante de uma Escola criada por um militar, cuidada
por militares e suas famílias e, de todas elas, a menos militarizada em
processos disciplinares e educativos...pois singelos, espontâneos e
libertários”.
E
mais o reconhecer que a beleza de toda a construção está na estética da
simplicidade, do despojamento, da amorosidade incondicionada, pois a
criança quer ser amada, a criança não tão somente precisa aprender, mas
viver feliz. Esta criança é o centro de tudo. Como o queria MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA,
o Educador, o Militar e o Político, que se direcionou pelo
desenvolvimento da educação e que, além de exercer a Relatoria da
Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara Federal, que analisou o
problema do menor no Brasil, postulou o Projeto Dom Bosco e o modelo de
uma verdadeira Universidade da Criança, onde a criança seria o objeto de
trabalho, o pilar de edificação voltada para abrigar um mundo mais
fraterno.
Numa
sociedade na qual se previne a insegurança com educação fundamentada,
universalista e pluralista, não há porque buscar remediar o delito
cometido por quem não teve chances dessa inclusão com a alternativa de
encaminhamento a um mundo nebuloso. Como aquele a que se destinou o temido ZÉ MUNIZ e que a sociedade recria a todo instante.
MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA
estava preocupado com a falta de alternativa com aquele garoto que
furtou para conseguir o remédio salvador, de que precisava sua mãe e que
chegara muito tarde, gerando-se então o cidadão vingativo e cruel que a
sociedade deveria evitar para depois não reprimir tardiamente.
Por
isso, ao acatar uma missão para dar solução viável a uma fazenda da
Polícia Militar, de criação de cavalos, chegou aos seus Comandantes e ao
Governador Milton Campos, sugerindo sua utilização na assistência e
educação de crianças desvalidas.
Tomados
de surpresa pela proposta, seus superiores pediram um Plano Básico, que
foi feito com a singeleza de toda obra de arte e que veio a se
transformar numa instituição exemplar que recebeu visitas de Presidentes
da República, Governadores e Autoridades, que reconheceriam e honrariam
seu incontestável mérito.
Por isso, lembrar de MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA,
nos seus 100 anos de nascimento, é falar por absoluto do presente que
se deve produzir a cada instante, pois o futuro apenas depende disso,
pois como ele costumava repetir, a “CRIANÇA É O PAI DO HOMEM”.
Obrigada
a todos que aqui compareceram e cultuaram seu nome e sua vida, eivada
de profundos significados para todos nós. Autoridades, ex-alunos que
vieram de tão longe e tantos amigos e familiares que nunca se afastaram
de nós e que lamento não ter condições de nominar a todos. Um
abraço especial a meus filhos, netos e bisnetos, que sempre me deram
todo apoio ao longo de minha vida e durante o período em que Presidi a FUNDAÇÃO CAIO MARTINS
e, principalmente, durante sua infância repartida, pois meus filhos
tiraram do tempo e do espaço de si próprios e ao fazerem com inegável
despojamento consignaram amorosidade aos nossos outros também amados
filhos que para aqui acorreram vindos de todas as regiões do Estado e do
País. E disso resultou poderem angariar todo o crédito e das boas
sementes quando plantadas, viabilizam alvissareiras colheitas.
MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA está
entre nós. E eu o sinto de forma profunda e consciente, pelo seu
pensamento, inteligente, magnetismo, criatividade, determinação, leveza e
doçura, em que pese militar - era um homem que gostava de tocar
bandolim e flauta doce, sua nobreza de caráter, disciplina, honradez,
probidade, lealdade aos seus elevados princípios e por ser profundamente
espiritualista e crente no Criador que nos mostra a luz e o caminho a
ser seguido, quando adentramos na seara de cada um de nós, de redenção e
serviço aos mais aflitos e aos desvalidos de toda sorte.
Que Deus abençoe ao MANOEL por tudo que foi e é e, nos Abençoe a Todos, com a mesma luminosidade.
Caio Martins, 30 de Março de 2012
MÁRCIA DE SOUSA ALMEIDA
Depoimento de Cláudio Antônio de Almeida
Pediram-me
para escrever alguma coisa no Blog do Centenário de Nascimento de meu
pai, MANOEL DE ALMEIDA, mas constato agora, não ter entendido exatamente
o espírito da coisa. Também foi a primeira vez que li e escrevi para um
Blog. Acho que extrapolei. Pelo que vejo, o Blog tem que ser mais
enxuto. Esse vai ser o último e, se possível, vou tentar ser bastante
sintético, grande esforço, mas vou continuar escrevendo, pra mim mesmo,
algumas coisas que guardei nesses meus já longos anos de vida e que
chegou a hora de colocar pra fora. Vamos lá, esse é o
FELIZ ANIVERSÁRIO.
Fazer
aniversário, para homem ou para mulher, depois dos quarenta anos é uma
lástima. Dizem que, depois que entramos nos ENTA, a coisa pega. Só
acaba, quando chega nos NOVENTA e depois, vêm os cem anos, coisa que é
pra poucos e, pelo que tenho visto, não vale muita coisa, só para os
laboratórios de medicamentos geriátricos e fabricas de cadeiras de roda.
Mas, irremediavelmente, sempre chega o seu dia de aniversário e você
tem que agüentar os gracejos daquelas pessoas totalmente desprovidas de
senso de humor, mas que se sentem na obrigação de dar aqueles toques
desagradáveis, para que você tenha mais ódio dos anos que esta fazendo.
Ah, como um dia desejei fazer dezesseis anos para assistir o filme:
“Cavaleiros da Távola Redonda”. Puxa, Robert Taylor. Hoje, nem sei se
existe o DVD. Passava no cine Metrópole, em Belo Horizonte. Hoje deve
ser um espaço evangélico, como a maioria dos cinemas de lá.
E
o aniversariante do dia era o meu pai, MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA. Sim, e
nem eram quarenta anos, mas SESSETA longos anos vividos. Para nós, de
uma geração sem pressa, era uma eternidade. Lembro-me dos meus avós,
como eram velhinhos. E quando vejo no verso das fotos deles, as
anotações de que tinham menos de sessenta anos, me assusto. Incrível,
mas é verdade. Eles eram velhos com quarenta anos. Meus tios me mandavam
tomar a benção deles. Que coisa terrível. A gente tinha que beijar
aquelas mãos, muitas vezes mal lavadas, mas em sinal de respeito. Mas
que respeito terrível. Meus sobrinhos sempre me chamaram de Cláudio e
meus filhos de você. Mas o senhor naquela época era imperativo,
impositivo e irritante. A gente não discutia uma ordem, bastava somente
um olhar e agente colocava o rabo entre as pernas e saia de fininho para
o quarto. Hoje se eu for dar uma olhada para um neto, ele talvez dê uma
piscada pra mim, pra retribuir o imaginado carinho. É, o tempo passou e
muito rapidamente. Um amigo uma vez disse que deu uns tapas no filho
porque ele estava no quintal e chovia. Gritou várias vezes para o menino
sair do quintal e o menino nada. Foi lá e deu uns tabefes no guri. E
este, meio sem entender nadica de nada, pergunta ao pai: o que é
quintal?
Mas
o trauma do meu pai veio aos sessenta anos. O meu veio aos quarenta. E
bateu pesado demais. Não sei, passou tudo o que havia de pior,
impotência, incontinências diversas, insegurança, solidão, etc. Os
psicólogos é que faturam alto nesses momentos. Surgem teorias de todas
as formas e fica difícil adequar uma delas ao nosso perfil, mas tem que
se enquadrar, nem que seja por fórceps. Eu estava separado há pouco
tempo e imaginava, como todos os separados, que iria transar todas as
mulheres do mundo. Mal sabíamos que, o tempo em que ficamos fora do
mercado, a fila andou, e como andou, a passos muito largos, deixando-nos
muito para trás, não conseguindo mais entender a linguagem das pessoas,
os hábitos, os desejos, o jogo da paquera O mundo mudara, desde o meu
casamento, e olha que não fiquei casado por muito tempo. Nesse momento,
os amigos que não querem dar palpite, mas interferindo sempre, indicam
um psicólogo pra gente. E nunca mais conseguimos nos desligar dessa
turma. Quando Wood Alley dizia que fazia análise há 26 anos, eu achava
um absurdo. E a minha geração toda passou por ela. São quarenta anos de
psicanálise. Os entendidos, indicam pra gente começar devagarzinho, sem
precipitação, fazendo uma biodança, depois vem a psicodança. Aí
sofisticam e surge a análise transacional. É tudo de bom pra quem não
entende de nada e com certeza, vai sair de lá sabendo menos ainda. Vem
a análise individual, mas logo em seguida, somos promovidos a uma
análise de grupo. Lá conhecemos gente que está muito pior do que você e
se diz de bem com a vida. Quase todos são separados e os que não o são,
dificilmente saem dali casados. Aí vem seu terapeuta e indica um
acupunturista, uma massagista dos pés ou um curso especial, desses que
prometem tudo, transformar sua vida, enxergar-se por fora e,
principalmente, mexer no seu ego e até no super-ego. Acho que nada
melhor do que um decorador para isso, arrumar os interiores de minha
vida. Mas muitos teimam em manter um psicólogo de plantão. Um dia vão
acabar no Tibet e não conseguirão resolver seus próprios problemas.
Quando vi na China um monge budista teclando um computador, pensei. –
faliram todos os valores espirituais budistas. E tomara que minha
psicóloga não leia isso. O homem e suas circunstâncias. Mas isso foi que
gerou a expectativa em atingir os quarenta anos. Agora, imagino os
sessenta anos de meu pai, que tormento terrível ele viveu.
Eu
o via cabisbaixo, triste mesmo. E perguntei-lhe o que era. E ele
falou-me como numa confidência que se faz na hora da morte e pra não
contar pra ninguém: Amanhã faço 60 anos. A boca dele ficou tão cheia de
anos que achei que era muito mais. Puxa, já pensou, mais de meio século.
Antigamente os séculos demoravam muito mais do que os séculos de hoje.
Outro dia era século vinte, agora já não é. O filho de meu sobrinho, de
sete anos, de forma gostosa, perguntou-me se eu nasci no século passado.
Revoltante, mas a gente vai se adaptando à ironia dessa geração. E olha
que nossos filhos já passaram batidos. Os advirto, curta mesmo, passa
rápido pra caramba. Você não vê o tempo passar. Nada pior do que já ver
os netos, aí, impunemente, sem que você possa fazer nada. E eles lhe
chamam de VOVÔ, em voz alta, perto das pessoas que a gente ainda imagina
receber um olhar. Que ódio, mas é o tempo, e como é fatídico.
Sim,
disse meu pai, amanhã faço sessenta anos. E lhe perguntei como sentia?
Aquelas perguntas idiotas, que todo jornalista faz, no futebol, na
novela, no teatro, na política, na vida. “Como você se sente com
sessenta anos”. Vontade dar-lhe exatamente aquela resposta, mas temos
que nos conter e dar aquela resposta hipocritamente, socialmente e
eticamente plausível. Mas ele respondeu como 95% das pessoas
responderiam. Bem, o tempo passou muito rápido. Disso temos certeza, mas
quem responde, está imbuído de valores derrotistas, violentados,
agredidos pela juventude que se renova a cada segundo e a gente tem a
certeza de que, daqui pra frente muitos ENTAS, já ficaram
para trás. É, dá vontade ajudar de alguma forma. Não existem
comprimidos, receitas que possam amainar esse estado de espírito,
nenhum, nem os psicólogos, talvez os psiquiatras com uma boa dosagem de
ansiolíticos e anti-depressivos. Só resta aquele tapinha nas costa, que
representam o consolo ao derrotado. É melhor mesmo ficar calado, e se
possível, para sempre, ao invés de dizer aquelas asneiras que só ouvimos
daquelas pessoas treinadas nos grupos de salvamento, para evitar o
desenlace fatal. Bonito, né?
Era
o dia 23 de setembro. Meu pai acorda cedo, pega a Rural Willys, o carro
da época, e vai para a fazenda, junto com seu amigo Pereirão, da cidade
de Unaí, onde sempre fazia campanha eleitoral para o Coronel, e que,
por estar aposentado, mudou-se para Brasília e fazia uns bicos no táxi. É
a maior violência, tirar o homem do meio rural e colocá-lo no trânsito
de qualquer Capital. Em troca do bem estar da família, muito estranho.
Nem dez anos de terapia dariam jeito. Mas na falta dos filhos que não
mais queriam acompanhar o sex, ou melhor, o sexagenário, MANOEL DE
ALMEIDA, nas infindáveis viagens de fins de semana, fugindo das mesmices
de Brasília, o velho Pereirão, sempre estava presente. Ele gostava
muito de meu pai e sabia dos gostos dele. Lembrava-me de uma véspera de
eleição em Unai, quando eu estava com ele percorrendo alguns Distritos,
tentando conseguir alguns votinhos, para os já minguados votos que
surgiam na cidade, após o poder econômico bater pesado na região. Quando
me lembro que os primeiros motores de luz, nas cidades de Unaí e
Paracatu, foram colocados por meu pai, além de escolas, pontes, balsas,
bolsas de estudo, etc. MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA, se elegia a base de muito
trabalho e sacrifício, e eu sou prova inconteste disso. Um dia em
Paracatu, estava passando o material de propaganda de meu pai às
pessoas, quando uma moça vê sua foto e diz: Minha mãe só vota nesse
homem. Que bom, disse eu, e você? Ela disse que votava no MDB, mas que a
mãe gostava muito dele, pois havia dado a ela, aquela ingrata, uma
bolsa de estudos, de sete anos. Coisas assim, desestimulam qualquer
político – a ingratidão. Uma vez perguntei a meu pai, o por que dele não
ter preparado nenhum filho para a política. E ele disse: A ingratidão,
meu filho, sofri muita ingratidão e discriminação, por ter uma origem
humilde. Não desejava isso para meus filhos. E continuei, por que então
não preparou nenhum filho para substituí-lo na obra “caiomartiniana”.
Ele parou, e com muita assertiva disse: ISSO É MISSÃO. Não é um desejo
ou vaidade de uma pessoa que o levaria a assumir um
trabalho desses. É uma missão e poucos estão direcionados para tal.
Eita, mas surgiu outra história dentro da história. Eu falava do
Pereirão e fazíamos campanha política na cidade de Unai. Pois bem,
quando chegou a noite, ele me levou para uma pensão para jantar. Era
simples demais, sou muito nojento e presenciava atos que me incomodavam
muito, principalmente na hora da jantar. Ele disse que iríamos dormir
lá, pois o povo gostava de ver a gente convivendo com eles e coisa e
tal. Hábitos de políticos demagogos. O banheiro era no fundo do corredor
e o vaso ficava acima de uma fossa, onde eram visíveis uns bichinhos
nadando naquela água imunda. Mas a causa era nobre e tinha que enfrentar
aqueles preconceitos urbanoides. Não havia televisão, assim, fomos
dormir logo em seguida. O travesseiro fedia, mas fedia demais. A roupa
de cama não devia ser lavada há meses e, o cobertor estava até duro de
sujeira. Tinha pernilongos atacando por todos os lado e, numa velocidade
e ruído que faziam qualquer um desejar o sol nascer. Eu não sabia se
colocava a cabeça debaixo do cobertor, onde o mal cheiro era
insuportável, ou se colocava para fora, a mercê daqueles malditos
insetos. Aquela noite deve ter demorado meses. O quarto tinha umas dez
camas. E os roncos eram de uma orquestra que começa a afinar seus
instrumentos, antes do concerto. E o bumbo era o mais potente de todos,
somados às flautas, sim, pois tinha assobios e falantes noturnos.
Pois bem, lá se foi meu pai naquela empreitada de fuga de idade, juntamente
com o Pereirão. Mas com certeza o velho cabo-eleitoral iria mudar a
feição de meu pai, contando casos e mentiras para melhorar o estado de
espírito do velho guerreiro. Não era fácil, chegar impunemente aos
sessenta anos. Alguma coisa tinha que acontecer. Naquele dia eu me
preparava para ir a uma festa. Essa como outras tão desimportantes
quanto tantas que foram extremamente importantes em certos momentos
importantes de nossas vidas. É como aquele filme bom que você fica até
as quatro da manhã assistindo e no dia seguinte não consegue lembrar do
nome. Da festa eu não me lembro, mas a história dos sessenta anos do meu
pai, nunca saiu da minha cabeça. E eu passei por esses sessenta e
recordei muito aquela angústia paterna.. Felizmente, o meu trauma tinha
sido aos quarenta. Mas foi sem emoção.
Já
eram mais de 23:00 horas e eis que chegam, meu pai e o Pereirão, todos
molhados, sujos, mas imundos mesmo de lama. Tudo podia ter acontecido,
naquele desaniversário, mas que não fizesse tão mal assim ao meu pai. E
então ele relata, pausadamente. “Estávamos bem próximos da fazenda,
quando, de repente, sai de dentro da ponte, coberta de terra, num
daqueles buracos que se abrem provocados pela erosão da chuva, um
menino. Sim, um garoto. O carro vinha em velocidade razoável, quando a
criança coloca a cabeça para fora, fazendo com que o velho Pereirão, não
imaginasse outra alternativa, senão dar um golpe de direção para a
direita, na velha Rural, do Coronel Almeida. E vai o veículo para dentro
do riacho. O que aquele danado de garoto tava fazendo naquele lugar? O
carro caiu, meio de banda, com o lado direito, onde estava meu pai,
para dentro dágua. O outro lado não chegou a ser tomado pela água
barrenta, mas Pereirão, com a virada, caiu em cima do meu pai. Para se
levantar, no desespero, colocou o pé no rosto do meu pai para forçar a
saída da Rural. De cima da ponte, observava curioso o garoto, sem
imaginar que fora o responsável por aquilo tudo. Já de fora do veículo,
Pereirão puxa meu pai para cima e o traz até um barranco próximo à
ponte. Estavam encharcados, sujos e para dizer a verdade, muito
chateados, para não dizer exatamente a expressão que retrataria,
literalmente, todo o sentimento de raiva de ambos. Passando um carro em
direção a Brasília, pegam uma carona e deixam, malas e tudo mais dentro
da Rural. Fico imaginando o que se passou na cabeça de meu pai, naquelas
quase quatro horas de viagem de retorno, pensando no ocorrido e na
explicação a ser dada a toda a família. Mas o drama da figura dos dois,
tirava qualquer embalo de brincadeira ou sátira. Meu pai estava
derrotado, vencido mesmo, pelos sessenta anos e pela trágica fuga das
comemorações do anti-niver. Minha mãe logo preparou um café bem quente e
o levou para um banho mais quente ainda e lhe disse: FELIZ ANIVERSÁRIO.
Eu segui para minha festa, imaginando que muitas outras festas viriam,
como vieram, mas não marcaram como a presença da marca de uma botina no
rosto.
Depoimento de Cláudio Antônio de Almeida
PRAIA
DE CARAPEBUS
A perda de um membro da família é sempre dolorosa,
principalmente, em se tratando de um cara tão legal. Sim, meu cunhado foi um
grande companheiro e amigo. Era até chamado de Jeremias. Ziraldo, uma vez
expondo seus desenhos em
Belo Horizonte, comentou comigo que o “Jeremias, o bom” era o
Paulão. Ele criou vários personagens, baseados no comportamento e caráter dos
seus companheiros de república em Belo Horizonte, quando fazia o curso de direito.
Todos sentiram muito. Meu pai me comentou uma vez, que lamentava muito, a
família não ter lutado mais.
Diante desse ambiente, meu tio Astolfo, cunhado de meu pai,
casado com a irmã dele, e uma das pessoas mais leais a ele, ofereceu sua casa,
na Praia de Carapebus, no Espírito Santo, para a família passar as
férias. Meu pai estava muito abalado, pois acompanhou de perto,
juntamente de minha mãe e minha irmã, toda a situação da morte do Paulão e
considerou que o passeio à praia, seria uma boa terapia para toda a família.
Para acomodar toda a família, meu pai sempre manteve um carro grande. Uma
Kombi, ou uma Rural Willys. Se falar nesses nomes para a garotada de hoje,
seria objeto de jacota. A estrada era terrível, perigosa mesmo, passando por
Venda Nova, até chegar à divisa com o Estado capixaba. Meu tio havia nos
prevenido que teríamos que chegar cedo na vila de Carapebus, onde ficava sua
casa, pois teríamos que fazer uma faxina, pois há alguns meses, ninguém tinha
estado lá. Saímos assim, de madrugada de Brasília, passando rapidamente por
Belo Horizonte, apenas para pegar a chave da casa com o Tio Astolfo.
Era uma Colônia de Férias da Polícia Militar de Minas
Gerais. Meu tio, como meu pai, era Coronel e, buscando reduzir um pouco o
complexo dos mineiros em não ter uma praia a tira-colo, construiu uma casa,
muito confortável naquela Colônia. Seis filhos era o suficientes para se fazer
uma boa limpeza. Antes, passamos, em Vitória, por um supermercado para suprir a
casa, pois iríamos encontrar a geladeira vazia e lá não existia nem uma
mercearia. À noite saímos para conhecer as instalações do Clube e acabamos
jantando no seu restaurante. O prédio tinha uma forma arredondada, parecendo a
cúpula da Casa Branca, nos “States”. Eram dois andares. A primeira vista, todos
estranham o tipo de construção, mas depois que ficamos sabendo que ali, era uma
tremenda jogativa, deu pra entender seus salões. Na época em que o jogo era
proibido no Brasil, durante o Governo Dutra, muitos foram os cassinos
clandestinos surgidos pelo interior do País. Havia ali perto, até um campo de
pouso, para aviões particulares. Mas tudo ficou na história e, com a proibição,
o jogo foi ficando cada vez mais difícil de se praticar no Brasil, e os
jogadores, mais pobres, foram para o Paraguai, e os mais abastados, para
Mônaco, Istoril, Lãs Vegas, etc.
No dia seguinte, antes das oito, quase todos já estavam de
pé. Meu pai já estava na varanda, como sempre, curtindo sua rede, e a brisa do
mar. A casa distava cerca de 150
metros da praia. Minha mãe, pra variar, já tinha deixado
o café da manhã colocado na mesa para os filhinhos. Todos marmanjos, a exceção
da Rita e do João. A praia era perigosa, mas tinha um lado, onde havia uma
península, local em que os velhos tomavam banho de “assento”, como diziam entre eles. A
água batia na canela, podendo adentrar ao mar, por vários metros, sem cobrir os
joelhos. Ali ficavam os amigos de meu pai. Todos coronéis. Era um papo
saudosista, que ia se repetindo até o último dia de férias. Minha mãe, já não
se sentia tão à vontade. Nunca a observei papeando com as esposas dos coronéis,
e assim, passava mais tempo em casa, fazendo almoço e lavando roupa, coisa que
ela jamais fazia, em
Belo Horizonte ou em Brasília. Não era chegada a ir a praia.
A vida de todos era uma verdadeira maravilha. Já imaginou?
Passar o dia todo na praia, comendo peixe, camarão, etc. Em outras encarnações
eu devo ter nascido na praia, pois sou alucinado por mariscos, crustáceos em
geral e todo tipo de peixe. Pela manhãs saiamos cedo para participar do
arrastão. Eram dezenas de pescadores que, lá pelas três ou quatro horas da
manhã, jogavam as redes em alto mar em busca dos cardumes. La pelas sete ou
oito da manhã, começavam a puxar a rede. Nesse processo, todos nós praianos,
turistas, participávamos. Era uma farra gostosa. Mas no final das contas, os
pescadores pegavam os peixes e colocavam nos balaios, para a venda. Na rede,
vinha de tudo, peixe espada, baiacu, cavalo marinho, conchas, estrelas do mar,
etc. Os pescadores nem ai pra essa caça, mas nós nos deliciávamos com isso,
pois, nós mineirões, jamais tínhamos visto aquelas coisas. Sempre passava em
nossa casa, um senhor forte, negro, de cabelos brancos, oferecendo peixes para
o meu pai. Ele dizia que era ele quem pescava e contava aventuras em alto mar,
aqueles papos de pescador. Meu pai acreditava piamente e comprava o peixe, por
um preço muito salgado. Um dia fomos ao mercado central de Vitória, e nos
encontramos com o “pescador”, amigo do meu pai. Ali era o mar dele. Era grande
o esforço que fazia para retirar o peixe da água. Chamava-se João do Peixe. E
sobrava sempre para a minha mãe fazer o pescado de acordo com o gosto do meu
pai, que gostava de um tempero caprichado. Mas o predomínio de mineiros nas
praias do Espírito Santo, era um fato. O sotaque era o mineirês mesmo. Até o
governador à época do Estado, era mineiro, de Ubá. Assim, sentíamos em casa,
literalmente. À noite, saíamos com os amigos em direção à zona boêmia do
lugarejo. Era freqüentada, basicamente por marinheiros, com aquelas tatuagens
mal concebidas nos braços e no peito. Tatuagem naquela época era coisa de
marinheiro. Um amigo nosso pedia o carro do padre emprestado e ia pra lá
também. Mas o padre desconhecia esse itinerário, lógico. O carro
era um Fusca de Cor de Abóbora, conhecido em toda a região. Imagino o que
pensavam, quando viam o carro naquele ambiente.
Mas a nossa paz veio a ter uma ruptura desagradável.
Dormíamos, com as janelas abertas, e até mesmo as portas destrancadas. Era um
clima descontraído de praia, sob todos os aspectos. Sem preocupação nenhuma com
a violência do mundo urbano. Numa madruga meio chuvosa, uma quadrilha desligou
as luzes da Colônia e invadiu várias residências. Entraram em nossa casa e
levaram vários aparelhos de som e objetos. Eu tinha chegado há poucos
dias de Manaus, onde adquiri muitos aparelhos. Toca-fita, gravador, máquina
fotográfica, televisão portátil, enfim, uma quantidade de coisas que àquela
época não eram tão disponíveis nos mercados das Capitais. Levamos tudo para
praia de Carapebus. Limparam tudo. Teve um ladrão, cara de pau, que chegou a
entrar no quarto dos meus pais e tirar seu dinheiro no bolso da calça. Minha
mãe acordou, viu o indivíduo, mas fingiu dormir. Tão logo o meliante deixou o
quarto, acordou meu pai e disse-lhe o que havia presenciado. Meu pai
levantou-se rapidamente, e foi até o quarto onde me encontrava, juntamente com
os irmãos homens e falou sobre o assalto. Não tínhamos arma. Imagine, uma
Colônia de Férias da Policia Militar de Minas Gerais, sendo assaltada, por
ladrões capixabas, e nenhum dos coronéis tinha sequer uma pequena beretinha. Eu
e meus irmãos pegamos uns cascos de cerveja e saímos correndo pela estrada que
leva até o vilarejo, para ver se conseguia encontrar os ladrões. Mas não deu em nada. Foi chato, mas nas
outras residências, foi bem mais desagradável. Minhas irmãs não chegaram a ser
molestadas, mas soube que em outras residências, chegaram mesmo a ameaçar os
casais, as mulheres e até as crianças. Criou-se um ambiente muito desagradável,
o que levou os coronéis a se reunirem e procurarem o Governador do Estado e o
Secretário de Segurança. Era muita petulância, invadir um Clube Militar. Mas,
parece que vingaram a honra dos “vitorinos” diante da invasão mineira nas
praias capixabas. Algumas famílias retornaram para Belo Horizonte e outras
permaneceram, mas daí em diante, sob uma forte apreensão. Alguns filhos dos
militares, mais revoltados, chegaram a pegar suspeitos que perambulavam pela
praia, como bode-espiatórios, dando-lhes o chamado corretivo. Meu pai ficou
muito revoltado com esses métodos e do ambiente gerado, pois sabia que aqueles
raivosos, eram filhos de seus companheiros de farda. Assim, comunicou o fato ao
meu tio, e que diante das circunstâncias, voltaríamos para Brasília.
Mas nosso vínculo com Carapebus já estava destinado.
Caminhando e meditando pelas praias próximas à Colônia de Férias, meu pai viu
uma casinha, a beira mar, branquinha e azul del rei, com uma placa de
“vende-se”. A chave estava com um vizinho próximo, que mostrou a casinha para
meu pai. Ele olhou, gostou e chegou em casa dizendo: Comprei uma casa aqui em
Carapebus, na beira do mar. Fomos até o local e ficamos encantados. Era
realmente uma beleza, um paraíso. Diziam que a casa já estava à venda há
tempos, mas não pintava ninguém que se interessasse, apesar da bela
localização. É que ali ocorreu um triste acidente com a família-proprietária. A
morte de uma criança por afogamento, em frente da casa. O mar ali era muito
perigoso, todos fugiam de lá. Aquela família residia em Vitória e usava a casa
para os finais de semana. Meu tio Astolfo, chegou no dia seguinte, juntamente
com o sobrinho inseparável, Zé Carneiro, casado, com a prima, minha saudosa Tia
Bela. E o Zé brincava: O Manoel nasceu .... pra lua... E a minha tia Maria,
irmã de meu pai, ingenuamente repetia. É, Manoel nasceu pra lua. A casa veio a
ser um reduto mineiro em terras do Espírito Santo. Praticamente, todos os
anos, fracionávamos as férias para curtir a praia de Carapebus, pois, todos
foram se casando e, já não existia mais espaço para todos. Várias foram as
vezes em que fui com minha família, onde passávamos quase o mês todo. Era o
nosso resort. O acesso à Colônia era difícil, pois, por capricho, creio,
mantinham uma estrada de terra, precaríssima. Com isso, a especulação
imobiliária foi, por décadas, postergada. A aldeia de pescadores se manteve.
Nossa praia ficava num hiato, entre o Porto de Tubarão, em Vitória, e Aracruz,
onde existia uma fábrica de celulose, que produzia odores terríveis, mas o
vento soprava, quase o ano todo, para o norte. Era um ponto estratégico, mas
creio que não houve interesse do Estado em ocupar a área.
E os anos se passaram, e meus pais e os seis irmãos,
freqüentavam, com suas famílias ou amigos e namorados aquela praia bendita. Com
o tempo, os netos de Manoel de Almeida e D. Márcia, passaram a assumir aquela
espaço, então com as janelas pintadas de verde. Ali foi palco de grandes
festas promovidas pelas várias gerações dos Almeidas. Mas já não havia mais o
arrastão, o João do Peixe, que vendia para o meu pai, aquele peixe pescado no
mercado, e que meu pai saboreava com prazer. Não mais existiam os coronéis, não
mais existia aquele ambiente de festa. E a casa começou a ficar sem
frequentadores, sofrendo os efeitos do vandalismo e de vários assaltos, o que
veio a desmotivar as idas àquele paraiso.
E agora, recebo uma ligação de meu irmão João, informando
que minha mãe o autorizara vender a casa de Carapebus, diante dessa situação e
que, conseguiu uma boa oferta. Estava João em Vitória e sacramentava a venda do
imóvel. Por um momento pensei nesses mais de quarenta anos ali vividos, desde
aquela visita de meu pai àquela casa, perdida em frente à praia. Durante esse
tempo, jamais houve um acidente, nas centenas de viagens que fizemos para
aquele Estado, a exceção de uma derrapada do carro da Rita. Jamais houve um
acidente na praia, no mar, com todos os descendentes de Manoel de Almeida. Mas
ficou na lembrança, os bons momentos vividos, e como foram bons. Espero que o
comprador tenha sido um capixaba, pois assim, reduzo um pouco a minha culpa
diante daquele bravo povo do Espírito Santo.
CLÁUDIO ANTÔNIO DE ALMEIDA
Depoimento de Cláudio Antônio de Almeida
ONDE FOI PARAR O BANDOLIM?
Tinha que ter alguém na
família que tocasse algum instrumento. Mas parece coisa ruim, pois ninguém deu
pra música. O pai de meu pai, José Antônio de Almeida, era o homem dos sete
instrumentos. Além de tocar bem, ainda dava uma de maestro. Tenho comigo uma
flauta linda, transversal, toda desmontável, dada por ele, já no leito de
morte. Essa flauta suscitou muito ciúme, pelo que soube mais tarde, mas faz
parte das paixões de família. A caixa da flauta é de madeira, toda trabalhada, feita
à mão pelo Tio Antônio. Ele era irmão de minha vó.
Por quem meu pai tinha enorme afeto e confiava tarefas
difíceis, por saber que ele não era de arregar por
qualquer coisa.
Meu pai seguiu parte dos passos musicais paternos. Tocava
flauta e cavaquinho. Do lado de minha mãe, todos eram
regidos à música. Desde meu avô que tocava na banda da cidade, até as filhas.
Todas cantavam no coro orfeônico da cidade de Boa Esperança, onde viviam. Minha
tia, irmã de minha mãe, também tocava sete ou oito instrumentos. E ainda
cantava e namorava muito. E fazia música, mas faltavam os versos. Essa parte era minha mãe quem criava, nas
quermesses, nas festas juninas, na Semana Santa. Minha infância foi toda
passando semana santa lá. Era muito triste aquela cantoria de sexta feira da paixão,
mas tudo passava e virava festa.
Uma vez, um circo, do BiBi, passou pela cidade e apresentou o grande
espetáculo: “Nascimento, vida, paixão e morte de Jesús
Cristo”. Fomos todos para o circo e nos sentamos na frente, onde havia
uns camarotes, a poucos metros do picadeiro. Eu sempre levava comigo o meu
mico. É, aquele velho companheiro que ficava no meu bolso para todos os lugares
onde eu ia. Como na cidade tinha muitas árvores, em
suas fugas, era um pandemônio encontrá-lo. Eu saia pulando os muros dos
vizinhos atrás dele. O Pai Zé, meu tio querido, me acompanhava e
estimulava. Pois bem, no momento em que o Cristo penava na cruz, depois daquele
sofrimento todo, de açoites e agressões, parou por alguns instantes, próximo ao
lugar onde nos encontrávamos. Por uma razão qualquer, o mico saiu do meu bolso
e pulou na cruz. Foi o caos. Subi no picadeiro pra pegar o mico que pulava para
todo lado, deixando o pessoal do circo desorientado. Minha tia Flor, aquela tia
especial, também subiu no palco para ajudar-me na caça ao mico. E o danado do animal pulava da cabeça do Cristo para a cruz e da cruz para cima dos soldados
fantasiados de romanos, que o açoitavam. Aquele movimento fez com que tudo se
transformasse. De um espetáculo triste e de muito sofrimento, virou uma comédia.
Para mim, uma tragi-comédia. O povo ria e curtia a
minha caça ao mico. Não precisa dizer que o espetáculo acabou. No dia seguinte,
lá foi o BiBi na casa dos
meus avós conversar com meus pais. Disse que teve um prejuízo muito grande, que
foi prejudicado e coisa e tal e queria uma indenização. Como era conversa de
adulto, eu não me meti, pois meu assunto era só a integridade do meu mico.
Assim, não sei no que deu, mas a peça não merecia nenhuma indenização, era muito
ruim mesmo. Acho que meu mico foi um coadjuvante importante para popularizar o
circo. E até hoje essa história é lembrada na cidade. Afinal era fazer graça é
o que o circo se propunha. Mas quase me esqueço do Bandolim.
O tempo passou e eu, já
adulto e fazendo as coisas de adulto, lembrei-me um dia que meu pai tocara bandolim
quando jovem. Era aniversário dele, assim, nada melhor do que dar-lhe o instrumento de presente. Fui numa loja
em Brasília, chamada Bi.Ba.Bô,
veja que nome, e comprei. Era lindo. À noite levei-o para meu pai. Ele ficou
extremamente feliz. Disse que já não tinha mais aquela mobilidade nas mãos e
nos dedos, mas mesmo assim, começou a dedilhar aquela quantidade de cordas
duplas como se tivesse tocado pela última vez, no dia anterior. Foi uma festa.
Acertar um presente assim, não é todo dia. E o fiz feliz.
O tempo passou e meu pai,
já com a saúde bastante debilitada, encostou o bandolim em algum canto,
passando, efetivamente, a ser passado.
Quando nasceu minha filha
caçula, Giovanna, meu pai se encantou com ela. Ela era realmente uma bebê muito bonito, clarinha, loira e muito sorridente.
Era feliz. Meu pai sempre foi meio espiritualista. Não sei se existe meio espiritualista, mas
ele era bem chegado a esse negócio de reencarnação. Eu já preferia curtir os
candomblés na Bahia. Mas nesses encontros de meu pai com o mundo espiritual,
ele foi informado de que a Giovanna era reencarnação da Marcela, filha de seu
irmão, João de
Almeida. Era igualmente uma bela criança, lembro-me bem dela. Mas o destino a
levou, acometida por um câncer no cérebro. Seus últimos dias foram dolorosos e
não nos permitiam visitá-la no hospital, tal era seu
estado. Sei que foi muito sofrimento para ela e toda a família. Que eu me
lembre, foi o único falecimento de um primo ou sobrinho, em toda a minha
infância e juventude. Até pra receber a morte, a gente tem que se habituar. E
isso não deve ser boa coisa. Mas Giovanna cresceu e sempre que a levava a Belo Horizonte, meu pai demonstrava uma atenção especial
por ela. Ela era muito carinhosa com ele, dançava pra ele, cantava cantigas,
etc. Devia ter seus três anos.
Meu pai, já não mais político, residindo em Belo
Horizonte, passou a ter uma vida de rotina, sem muitas emoções. Já não mais
viajava e limitou seu universo ao mundo das novelas. E que, por sinal, ele
demonstrava gostar. Também não havia outra alternativa. Na época eu cursava
direito e, achando que era uma fórmula de preencher o tempo intelectual de meus
pais, passei a pedir que eles fizessem os meus trabalhos acadêmicos. E foram vários. Eles pesquisavam em
biblioteca, estudavam leis, etc. Fizeram trabalhos excelentes. Adoraram a
idéia. Muita inteligência ociosa. Naquela época não havia essa mamata da
internet. Havia pesquisa mesmo, profunda e fundamentada. Assim, posso dizer que
parte do meu diploma de advogado, devo a eles. Vou
lhes atribuir a parte de Família e fico com a Penal.
Numa de minha idas a Belo Horizonte, meu pai disse que gostaria de
ver a Giovanna. Ela morava com a mãe e era complicado sair de Brasília, mas a
levei. Foram, aproximadamente, duas semanas. Minha mãe dizia ao telefone que
meu pai estava adorando a presença da netinha. Ele já não suportava a
quantidade de remédios que tomava o dia todo. Seu estômago repelia alimentos.
Mas Giovanna conseguia dar-lhe os comprimidos na boca. Era preciso e minha mãe
sabia que ali estava sua vida. De acordo com o relato de minha mãe, um dia, ela
dançava para ele na sala e cantarolava músicas infantis. Meu pai se deliciava.
Pegou-a pela mão e foi caminhando até o quarto do casal. Lá, tirou de dentro do
guarda roupa, uma fronha contendo algo de muito especial. Era o bandolim. Era
a esperança de ter um neto músico, pois a primeira geração passou em branco e a
segunda, idem, a exceção de uma neta que tocava viola. Com muita dificuldade,
ele tocava para ela, algumas músicas de sua juventude, no instrumento. Os dias
fluíam e meu pai voltava à infância. Eram duas crianças. Uma tocando o
bandolim, outra cantarolava. E minha mãe
observava à distância o reencontro do Bandolim. O encontro de gerações.
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