segunda-feira, 12 de março de 2012

Depoimento de Cláudio Antônio de Almeida

A VACA BORBOREMA


Eu jamais esperaria que meu pai (MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA), entrasse numa loja e comprasse um presente pra mim. Não só porque ele não levava jeito para a coisa, como o tempo dele era voltado para o trabalho. Tanto em Minas, quanto em Brasília, era inimaginável pensar que meu pai sairia com minha mãe, ou mesmo sozinho, e entrasse numa loja, e escolheria um presente para dar para uma pessoa. Nunca presenciei, nem jamais soube dessa acontencência. As vezes ele cometia umas delicadezas, que chegavam a assustar. Passando numa loja para comprar ração para animais, começa a olhar as coisa ao redor e vê um machado. Sim, um machado. E não é que ele aparece na minha casa com um machado e me presenteia. O machado em si não teve muita importância pra mim, mas o cartão que o acompanhou foi uma obra de arte. Uma dedicatória linda, explicando a importância do machado na lavoura, para o lavrador, enfim, passei a ver, a partir daquela data, o machado com um olhar diferente. Não só um instrumento de cortar árvore, mas algo que dá um alento ao homem do campo. É um instrumento de apoio ao homem. Eu ainda tenho esse machado. Troco sempre o cabo, mas o machado, sempre amolado, continua exercendo parte das prerrogativas que meu pai lhe atribuiu, em minha casa.
Mas surgiu um aniversário, de um dos meus irmãos. Não era o meu. Minha mãe preparou o bolo, os doces, etc., alguns convidados e a cantoria. Minha mãe, sempre prestigiou o Lamartine Babo, de quem privou amizade, quando o poeta/cantor esteve na terra dela – Boa Esperança, e fez aquela linda melodia: Serra da Boa Esperança. A música começa assim: “Saudemos o grande dia, que ele (a) hoje comemora, seja casa onde mora, a morada da alegria, o refúgio da ventura, ..  E por ai vai. E essa música faz parte do folclore musical dos aniversários de todos da  família. Todos entregavam seus presentes e meu pai, sai com um cartão, onde estava escrito: VALE A VACA BORBOREMA.
A tal da vaca borborema realmente existia. Meu pai tinha uma fazenda, na região do rio Urucuia, no norte de Minas Gerais, adquirida nos idos de 1950. Foi uma operação incrível à época. Ele tinha um carro Buick, o carro mais bonito que eu já vi em minha vida. Preto, enorme, com sotaque americano. Meu pai não sabia dirigir direito, e aprendeu, meio na marra. Havia muitos postes na minha rua, em Belo Horizonte e aquilo, creio que tranqüilizava, de uma certa forma, minha mãe. Uma hora, o carro para. Pois bem, meu pai viajando por aquelas regiões do norte de Minas, encontrou-se com uma pessoa extremamente interessante. Era o Sr.Saint Claire Valadares, o Coronel Saint Claire, dono de milhares de hectares de terra na região. Creio que ele não tinha idéia da quantidade de terra que tinha, muito menos quantas cabeças de gado existiam nelas. Mas enchia a boca pra dizer: não existe pra mim raça boa. Raça boa é curral cheio. É, cada um com a sua filosofia, de curral, mas pode se enquadrar em alguma interpretação mais pretensiosa. Mas a mulher dele fazia um peixe curimatan, que meu pai adorava e comentava com todo mundo sobre o sabor pisciano. Era um contador de histórias. E meu pai gostava de ouvir. Ali, naquela região, Joaquina de Pompeu foi proprietária de várias terras. Dizia o velho Saint Claire que ela se casava com o dono das terras e depois mandava matá-lo. Com o tempo ela já era proprietária de um vasta região à margem esquerda do Rio São Francisco. Dizem que suas propriedades chegavam até o hoje, Distrito Federal, onde era dona de uma fazenda chamada Papuda, onde existe uma penitenciáia. Diziam também que dessa mulher, muito foram os descendentes importantes na política mineira. Ela mandava os filhos, mais bem dotados, estudar no Caraça, um Colégio religioso, próximo de Ouro Preto. Ali se formou toda a geração de importantes políticos, banqueiros, proprietários rurais, enfim, a nata da política, da cultura e da economia mineira e brasileira. E tinha muita gente importante na lista de genealógica de Joaquina. Junto com D. Beja, de Araxá  e Chica da Silva, creio ser ela uma das mais importantes mulheres de Minas Gerais. Fez acontecer, mudou coisas, e como mudou.
A a conversa caminhou para outros lados e o velho Saint Claire, argumentando que a região precisava de um impulso. E nada melhor do que um homem como meu pai para tocar uma fazenda naqueles rincões. Meu pai não era de beber, mas se embriagou com as palavras daquele homem que dizia coisas lindas sobre as matas, a fauna, os rios, etc. E não é que meu pai fecha o negócio e compra a fazenda. Isso mesmo, vendeu o Buick e comprou a fazenda, que veio a se chamar “Três Marias”. Minha mãe não gostou nada da idéia, pois imaginava usar aquele dinheiro para aumentar a casa, pois já haviam nascido mais dois filhos e os quartos já não comportavam tantas crianças – seis. E agora, de posse da fazenda, tem que mexer, fazer lavoura, colocar umas cabeças de gado, etc. E assim, o tempo foi passando. Não é que anos depois, Brasília veio a ser inaugurada, em 1960 e, aquela fazenda ficava, relativamente próxima da Capital. A estrada era muito ruim, mas não desmotivava meu pai a colocar toda a família dentro de uma kombi e rumar para curtir as cachoeiras e os belos rios existentes na fazenda. E foi exatamente com essa fazenda que meu pai fazia o pé de meia para, em época de eleições, vender umas cabeças de gado para mandar fazer cédulas (era assim mesmo), e material de propaganda para as eleições e custear as campanhas eleitorais, que vieram a ser uma constante na vida da família. Não eram tantas cabeças de gado, mas de quatro em quatro anos, renovava e estava lá para bancar nova eleição. Vendia, vendia, mas a VACA BORBOREMA, sempre ficava lá, creio, pois ela era sempre objeto de presente de aniversário, natal, etc. Qualquer agrado, ta lá o bilhete: VALE A VACA BORBOREMA. A gente ficava com uma cara de tacho, mas achava tudo aquilo muito engraçado, pois, acompanhado do bilhete, vinha uma história, que creio, cada filho guarda para si com muito carinho. De lado, ficava meu pai com aquele sorrisinho maroto, de canto de boca, curtindo mais um aniversário.

CLÁUDIO ANTÔNIO DE ALMEIDA 


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