A VACA BORBOREMA
Eu jamais esperaria que
meu pai (MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA),
entrasse numa loja e comprasse um presente pra mim. Não só porque ele
não
levava jeito para a coisa, como o tempo dele era voltado para o
trabalho. Tanto
em Minas, quanto em Brasília, era inimaginável pensar que meu pai sairia
com
minha mãe, ou mesmo sozinho, e entrasse numa loja, e escolheria um
presente
para dar para uma pessoa. Nunca presenciei, nem jamais soube dessa acontencência.
As vezes ele
cometia umas delicadezas, que chegavam a assustar. Passando numa loja
para
comprar ração para animais, começa a olhar as coisa ao
redor e vê um machado. Sim, um machado. E não é que ele aparece na minha
casa com um machado e me
presenteia. O machado em si não teve muita importância pra mim, mas o
cartão
que o acompanhou foi uma obra de arte. Uma dedicatória linda, explicando
a
importância do machado na lavoura, para o lavrador, enfim, passei a ver,
a
partir daquela data, o machado com um olhar diferente. Não só um
instrumento de
cortar árvore, mas algo que dá um alento ao homem do campo. É um
instrumento de
apoio ao homem. Eu ainda tenho esse machado. Troco sempre o cabo, mas o
machado, sempre amolado, continua exercendo parte das prerrogativas que
meu pai
lhe atribuiu, em minha casa.
Mas surgiu um
aniversário, de um dos meus irmãos. Não era o meu. Minha mãe preparou o
bolo,
os doces, etc., alguns convidados e a cantoria. Minha mãe, sempre
prestigiou o
Lamartine Babo, de quem privou amizade, quando o poeta/cantor esteve na
terra
dela – Boa Esperança, e fez aquela linda melodia: Serra da Boa
Esperança.
A música começa assim: “Saudemos o grande dia, que ele (a) hoje
comemora,
seja casa onde mora, a morada da alegria, o refúgio da ventura, ..
E por ai vai. E
essa música faz parte do folclore musical dos aniversários de todos da
família. Todos entregavam seus presentes e
meu pai, sai com um cartão, onde estava escrito: VALE A VACA BORBOREMA.
A tal da vaca borborema
realmente existia. Meu
pai tinha uma fazenda, na região do rio Urucuia, no
norte de Minas Gerais, adquirida nos idos de 1950. Foi uma operação
incrível à
época. Ele tinha um carro Buick, o carro mais bonito
que eu já vi em
minha vida. Preto, enorme, com sotaque americano. Meu pai não
sabia dirigir direito, e aprendeu, meio na marra.
Havia muitos postes na minha rua, em Belo Horizonte e aquilo, creio que
tranqüilizava, de uma certa forma, minha mãe. Uma
hora, o carro para. Pois bem, meu pai viajando por aquelas regiões do
norte de
Minas, encontrou-se com uma pessoa extremamente interessante. Era o Sr.Saint
Claire Valadares, o Coronel
Saint Claire, dono de
milhares de hectares de terra na região. Creio que ele não tinha idéia
da
quantidade de terra que tinha, muito menos quantas
cabeças de gado existiam nelas. Mas enchia a boca pra dizer: não existe
pra mim
raça boa. Raça boa é curral cheio. É, cada um com a sua filosofia, de
curral,
mas pode se enquadrar em alguma interpretação mais pretensiosa. Mas a
mulher
dele fazia um peixe curimatan, que meu pai adorava e
comentava com todo mundo sobre o sabor pisciano. Era
um contador de histórias. E meu pai gostava de ouvir. Ali, naquela
região,
Joaquina de Pompeu foi proprietária de várias terras. Dizia o velho Saint
Claire que ela se casava
com o dono das terras e depois mandava matá-lo. Com o tempo ela já era
proprietária de um vasta região à margem esquerda do
Rio São Francisco. Dizem que suas propriedades chegavam até o hoje,
Distrito
Federal, onde era dona de uma fazenda chamada Papuda, onde existe uma penitenciáia.
Diziam também que dessa mulher, muito foram
os descendentes importantes na política mineira. Ela mandava os filhos,
mais
bem dotados, estudar no Caraça, um Colégio religioso,
próximo de Ouro Preto. Ali se formou toda a geração de importantes
políticos,
banqueiros, proprietários rurais, enfim, a nata da política, da cultura e
da
economia mineira e brasileira. E tinha muita gente importante na lista
de
genealógica de Joaquina. Junto com D. Beja, de Araxá
e Chica da Silva, creio ser ela uma das
mais importantes mulheres de Minas Gerais. Fez acontecer, mudou coisas, e
como
mudou.
A a
conversa caminhou para outros lados e o velho Saint Claire,
argumentando que a região precisava de um impulso.
E nada melhor do que um homem como meu pai para tocar uma fazenda
naqueles
rincões. Meu pai não era de beber, mas se embriagou com as palavras
daquele
homem que dizia coisas lindas sobre as matas, a fauna, os rios, etc. E
não é
que meu pai fecha o negócio e compra a fazenda. Isso mesmo, vendeu o Buick
e comprou a fazenda, que veio a se chamar “Três
Marias”. Minha mãe não gostou nada da idéia,
pois imaginava usar aquele dinheiro para aumentar a casa, pois já haviam
nascido mais dois filhos e os quartos já não comportavam tantas crianças
– seis. E agora, de posse da fazenda, tem que mexer,
fazer lavoura, colocar umas cabeças de gado, etc. E assim, o tempo foi
passando. Não é que anos depois, Brasília veio a ser inaugurada, em 1960
e,
aquela fazenda ficava, relativamente próxima da
Capital. A estrada era muito ruim, mas não desmotivava
meu pai a colocar toda a família dentro de uma kombi
e rumar para curtir as cachoeiras e os belos
rios existentes na fazenda. E foi exatamente com essa fazenda que meu
pai fazia
o pé de meia para, em época de eleições, vender umas
cabeças de gado para mandar fazer cédulas (era assim mesmo), e material
de
propaganda para as eleições e custear as campanhas eleitorais, que
vieram a ser
uma constante na vida da família. Não eram tantas cabeças de gado, mas
de
quatro em quatro anos, renovava e estava lá para bancar nova eleição.
Vendia,
vendia, mas a VACA BORBOREMA, sempre ficava lá, creio, pois ela era
sempre
objeto de presente de aniversário, natal, etc. Qualquer agrado, ta lá o
bilhete: VALE A VACA BORBOREMA. A gente ficava com uma cara de tacho,
mas
achava tudo aquilo muito engraçado, pois, acompanhado do bilhete, vinha
uma
história, que creio, cada filho guarda para si com muito carinho. De
lado,
ficava meu pai com aquele sorrisinho maroto, de canto de boca, curtindo
mais um
aniversário.
CLÁUDIO ANTÔNIO DE
ALMEIDA
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