quarta-feira, 21 de março de 2012

Novo depoimento de Cláudio Antônio de Almeida


TEM CAMPO DE POUSO?


Falar em MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA, é falar também em avião. Ele faria tudo para ser um pássaro. Se não veio com asas, as criou em forma de ideal. Nem o avião lhe bastava. Precisava voar, voar, voar, ver o mundo pequeno para poder consertá-lo. E sabia que levaria tempo, não era uma só demão que atingiria a perfeição do resultado. Mas, nem Deus o fez com perfeição e, creio, nem tentou. Assim, os homens teriam um espaço para realizar algo dentro de sua dimensão.

E assim, era um predestinado a ter um avião para alcançar sua pressa. Num convite feito por D. Darcy Vargas, mulher do Presidente da República, Getúlio Vargas, para que levasse alguns atos e idéias caiomartinianas para sua instituição de amparo ao menor, na Ilha de Marambaia, no Rio de Janeiro, ocorreu o seguinte diálogo: “Coronel, como posso agradecer o que o senhor fez por aquelas crianças”. Sem pestanejar ele disse: “Quero um avião”. O homem sempre pensou grande. Mas como, onde vou arranjar, disse ela? A aeronáutica acabou de receber uma esquadrilha de aviões PIPER, respondeu ele. Foi a senha bastante para ser acionado o prestígio da Primeira Dama e entregue, no mesmo dia, o pedido alado. Nem precisa dizer como o estômago dos aeroviários se contorceu de ódio.  Ao Rio era chamado pelo Coronel Almeida, o eterno Capitão Pedrinho, para levar o pássaro verde, como veio a ser denominado, e participar da história da FUCAM.

As distâncias entre as “Caio Martins” diminuíram. Antes, para se levar o pagamento dos funcionários até o Carinhanha ou ao Ururucuia, se fazia de carro ou caminhão. Era uma tortura, pois as estradas eram ruins ou inexistiam, durante as chuvas. Os socorros, as emergências, passaram a ser corrigidas por um novo compasso. Ali, existia uma benção, mas surgiu um tormento na vida da D. Márcia de Sousa Almeida, a esposa. Naquela época os meios de comunicação eram precários e o correio e o radio, eram as válvulas de escape para reduzir a distância oral. Manoel de Almeida não temia qualquer mal tempo, pelo contrário, dificilmente enxergava uma nimbus ameaçadora. O Capitão Pedrinho era o termômetro de D. Márcia, que acreditava na sua determinação para não levantar vôo em condições de risco. E ele o fazia com determinação e corágem. Já imaginou um Capital peitar um Coronel e dizer NÃO!!! Pois o Pedrinho dizia e continuava mascando aqueles palitos de fósforo, da mesma forma, sem pestanejar, fazendo brilhar aqueles olhos verdes, naquela tez queimada de sol. E as orações de minha mãe se multiplicavam, quando as chuvas se tornavam mais intensas. E o Coronel não admitia viajar junto com a esposa. Temia uma situação de perda total, irremediável. Mas aquele bendito “pássaro verde”, cruzou o Estado de Minas, em todas as direções, sem jamais ter sofrido um acidente. O Capitão o tratava como um canário de estimação. Lavava pessoalmente o Piper, trocava o óleo, fazia uma vistoria, com um zelo digno de um carro novo  Era seu xodó.

Mas a “Caio Martins” levou o homem a novos vôos. Diante das dificuldades enfrentadas pela Instituição, não restou outra alternativa, a não ser entrar para a vida pública. Foi assim, eleito Deputado Estadual, com a quarta maior votação, para a Câmara Legislativa. E agora, como se deslocar? Agora político, as figuras mudaram. Decidiu assim comprar um avião para atender aos seus deslocamentos entre as cidades que o apoiaram na nova empreitada legislativa. Ai surgiu a figura do avião Cessna. Saudades do Capitão Pedrinho. Os pilotos brotavam de todos os lados, sem que ao menos se soubesse de sua formação aeronáutica. E foram vários. Lembro-me do Péricles. Completamente louco. Adorava passar com o avião debaixo da ponte de Pirapora. E o fazia com maestria e até um certo deboche. Era uma mistura entre a competência e a irresponsabilidade. Tinha um outro piloto que meu pai o buscava num boteco, na rua da Bahia, em Belo Horizonte. Ele sempre estava lá tomando uma cervejinha. Na inexistência de outro, o Coronel o pegava e seguia viagem. D. Márcia transpirava pavor. As vezes ela ia de carro e ele de avião, para atingir os festejos que sempre ela organizava, nas Unidades da Caio Martins. Regia o coro, apresentava temas folclóricos, preparava a recepção para as autoridades, organizava o almoço, enfim, dava o toque feminino e até o masculino. E só ela o fazia com tal competência, as vezes deixando em Belo Horizonte a filha carente das mamadas maternas, para cumprir os compromissos do Coronel. E ele sentava no assento da frente do avião. Não me lembro de ninguém ter ocupado aquele lugar, quando ele se encontrava no avião. Até o Dr. Israel Pinheiro, candidato a Governador de Minas, sentou-se atrás. Não precisa dizer do resto, mas resto mesmo. No carro mesmo, ele se sentava ao lado do motorista e, sendo este casado, jamais procurou saber se a esposa questionava aquele lugar ao lado do marido. O lugar era dele, do Coronel. Ali, ele traçava as coordenadas, juntamente com o piloto. Ele conhecia toda a topografia do Estado, com uma compreensão cartográfica invejável. Posicionava os rios e montanhas e tirava suas bases para atingir suas diretrizes de pouso.

Num dia desses de urgência, necessitando ir de Brasília a Belo Horizonte, pegou um avião de carreira e mandou, eu e duas irmãs no seu  Cessna. Como sempre, o piloto era sempre o imprevisível, o imponderável, mas sempre surgia um. E este da vez, era piloto da Novacap, órgão do Distrito Federal, e que se encontrava de férias ou, de licença (???). Mas, lá fomos nós para BH, nas mãos de um desconhecido. A viagem foi um tormento, pois o homem se perdia e demonstrava não entender as cartas náuticas, deixando-me apreensivo. Senti que a figura não tinha muita intimidade com o aparelho. Finalmente, nos aproximamos de Belo Horizonte, naquele aeroporto da Pampulha, que, para um avião de pequeno porte, era suficiente para um bom pouso. Mas não, o homenzinho, foi abaixando o nariz do avião e descendo, descendo e descendo. Eu cheguei a dizer que não ia dar, para levantar o avião, caso contrário bateria naquele aterro que antecede à pista de asfalto. Pra dizer a verdade, ele pousou, quase na quina do barranco, ainda na parte de terra, e saiu zig-zagueando pelas margens da pista. Ficamos apavorados. O medo tomou conta de todos nós. Chegamos e fomos à casa do nosso tio Astolfo, casado com a irmã de meu pai e relatamos para nossos primos as barbeiragens do piloto. Mas ficamos com receio de levar essa informação ao Coronel. Ele estava cheio de preocupações e não senti ambiente para dizer a ele o ocorrido. Para dizer a verdade, não me lembro mais o que eu e minhas irmãs fomos fazer na Capital mineira. Acho que o medo deletou  a lembrança do passeio.

Dois dias depois, voltamos ao aeroporto para retornar a Brasília. O piloto era o mesmo. O pavor, já não era contido, era pior. Estar nas mãos de um cara desse era pior do que montar na garupa de um motoqueiro alucinado. Seguimos para Brasília. Mas, tinha que acontecer algo, mas algo no meio da viagem e haja algo. O piloto começou a ter convulsões. Sim, o homem era epilético. Eu olhava pra ele e tentava segura o mancho do avião, numa forma de controlar a queda vertiginosa que a aeronave atingia. As minhas noções de aviação se restringiam a meras curiosidades dos tempos em que em Belo Horizonte se usava levar as crianças para curar o coqueluche, num vôo de avião.Coisa de mineiro. Lembro-me de ter ido na frente e fazendo aquelas perguntas todas que a criança faz a um piloto. Mas creio, não tenho certeza, aquele era um “paulistinha”, avião usado para treinamento de aprendizes de aviação. Mas continuando, o piloto babava. Sim, babava. Minhas irmãs rezavam e muito. Uma delas falava nomes de santo que eu nunca ouvira na minha vida, mas àquelas alturas, eu chamaria até os parentes dos santos para nos ajudar. Percebi, que estávamos em cima da barragem da represa de Três Marias. Sabia que lá havia um campo de pouso, asfaltado, pois uma vez passamos por lá. Segurei os braços do piloto, num desespero de fazê-lo voltar a si e pouca coisa consegui. Foi então que resolvi dar-lhe um soco no rosto. Não sei se foi essa a razão exata da volta do homem ao mundo terrestre, ou se foram os santos que ficaram tentando decidir qual deles iria interceder naquele episódio de previsão catastrófica. E ele perguntou: TEM CAMPO DE POUSO? Eu lhe disse que o que o campo estava lá, naquela posição, e indiquei, mas, creio, o avião estava perdendo muita altura. Enxergamos então um pequeno campo de pouso, de terra, mais na parte baixa da barragem. Era cercado por arame farpado e tinha algumas construções próximas. Devia ser um campo improvisado, durante a construção da Usina Hidrelétrica, e ainda em estado razoável de uso. Mas a aeronave perdia altura a cada segundo e eu me apavorava. Minhas irmãs já tinham desistido de chamar os santos e já choravam copiosamente, dizendo todas aquelas coisas que as pessoas dizem nessas situações e que, depois, não dá mais pra lembrar de nada, tais as idiossincrasias reinantes. E o avião baixava. O homem voltava a babar e eu o ajudava a segurar o mancho, imaginando poder colaborar de alguma forma. Mas conclui, não existe forma nenhuma. A coisa vai explodir e não tem jeito de evitar. E o campinho vem chegando, chegando, e aviãozinho mais parecia abanar as asas como forma de despedida. Teoricamente, não haveria forma de pousar balançando tanto as asas. Mas viemos, viemos, e o campo chegando. Ao lado da pista, uma cerca de arame farpado. Será que o avião ia caber naquele espaço do meio. Era tudo o que eu desejava.e torcia A essa altura, nem a respiração das irmãs se ouvia. Creio que minhas irmãs já teriam entregue suas vidas aos santos mais ajuizados. E o avião “placou”. Expressão usada, quando ele bate bruscamente com as rodas no chão, praticamente caindo, e não pousando. Isso que acontece hoje em algumas companhias de aviação, quase destruindo a nossa cervical. Bateu muito forte no chão e saiu de lado, carregando a cerca de arame farpado, num barulho infernal. E o avião parou. Olhei para a cara do piloto e ele não parecia ter consciência de tudo que estava acontecendo. Da boca do piloto, escorria aquela baba nojenta. O motor do avião ainda funcionava e a lateral  direita da aeronave estava presa ao arame e aos postes de madeira, que, hoje, creio, foram ali colocados por todos os parentes dos santos que minhas irmãs chamaram. Só eles iriam ter essa idéia. Mais nenhum técnico em aviação  idealizaria aquele freio.

Em pouco tempo, desceram correndo, da barragem, algumas pessoas alarmadas com toda aquela confusão provocada num lugar tão calmo e tranqüilo. Tiraram-nos de dentro do avião e comentaram que estavam apavorados com o que o avião estava aprontando no ar. Imaginaram até que o piloto estaria brincando, tais eram as loucuras observadas. Olharam o estado do piloto e arregalaram os olhos, como se vissem o conde drácula saindo do caixão. Percebi que as pernas de minhas irmãs não obedeciam aos seus comandos. Foi preciso carregá-las, até encontrar um local distante do avião para domar o susto. Todos temiam que o avião viesse a explodir, pois vazava gasolina e o lado direito do motor estava muito danificado. Seguimos até um lugar, que imagino ser o acampamento dos engenheiros, onde nos deram refrigerantes e algum alimento. E agora, como falar com nossos pais? Não querendo dar uma notícia tão desagradável para meu pai, achamos melhor comunicar, por rádio, meu tio Astolfo, que a retransmitiria por telefone a meu pai. E foi assim, feito. Ele, com aquela habilidade fantástica para dar uma notícia, contatou o Presidente da Câmara, que presidia naquele momento uma sessão: Avise ao Deputado Manoel de Almeida que. “seu avião caiu em Três Marias com seus filhos e, parece que não sobrou nada”. Sutil, curto e rasteiro. O Presidente  dispensou meu pai de uma votação que ocorreria naquele instante e toda a família seguiu de carro com destino a Três Marias, em tempo recorde. As notícias não possibilitavam outra atitude. Àquela altura, eu já queria mais era esquecer todo aquele pesadelo. O piloto dormia, e dormia. Junto com alguns engenheiros, fui até a parte baixa da barragem para pescar. E lá, ficamos por algum tempo. Meus pais chegaram e abraçaram minhas irmãs, totalmente purificadas, diante de tantas promessas feitas, se tudo saísse bem daquela tormenta. E vem o desespero de minha mãe. “Onde está o Cláudio?”. Até que me encontrassem, ela viveu a sensação de perda eterna. Mas eis que surjo, sem nenhum peixe, para a tranqüilidade geral da família ALMEIDA.

Meu pai conversou por algum tempo com o piloto e decidiram que o avião seria levado de caminhão para Brasília. Ele pediu a meu pai que não o denunciasse, pois aquela era a única profissão que ele tinha e a família necessitava dos rendimentos dele, e coisa e tal. Mas meu pai disse que iria conversar com o Presidente da Novacap, e solicitaria uma nova função para ele, sem perda da remuneração de piloto. E assim foi feito. Menos vítimas em potencial. De resto, ficamos eu e minhas irmãs com essa história que agora lhes repasso, ainda com um dedinho de pavor, medo, angústia e outras coisas que naquele momento de horror a gente fala, faz e pensa.       





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