TEM CAMPO DE
POUSO?
Falar em MANOEL
JOSÉ DE ALMEIDA, é falar também em avião. Ele faria tudo para ser um
pássaro. Se não veio com asas, as criou em forma de ideal. Nem o avião
lhe bastava. Precisava voar, voar, voar, ver o mundo pequeno para poder
consertá-lo. E sabia que levaria tempo, não era uma só demão que
atingiria a perfeição do resultado. Mas, nem Deus o fez com perfeição e,
creio, nem tentou. Assim, os homens teriam um espaço para realizar algo
dentro de sua dimensão.
E assim, era um
predestinado a ter um avião para alcançar sua pressa. Num convite feito
por D. Darcy Vargas, mulher do Presidente da República, Getúlio Vargas,
para que levasse alguns atos e idéias caiomartinianas para sua
instituição de amparo ao menor, na Ilha de Marambaia, no Rio de Janeiro,
ocorreu o seguinte diálogo: “Coronel, como posso agradecer o que o
senhor fez por aquelas crianças”. Sem pestanejar ele disse: “Quero um
avião”. O homem sempre pensou grande. Mas como, onde vou arranjar, disse
ela? A aeronáutica acabou de receber uma esquadrilha de aviões PIPER,
respondeu ele. Foi a senha bastante para ser acionado o prestígio da
Primeira Dama e entregue, no mesmo dia, o pedido alado. Nem precisa
dizer como o estômago dos aeroviários se contorceu de ódio. Ao
Rio era chamado pelo Coronel Almeida, o eterno Capitão Pedrinho, para
levar o pássaro verde, como veio a ser denominado, e participar da
história da FUCAM.
As distâncias
entre as “Caio Martins” diminuíram. Antes, para se levar o pagamento dos
funcionários até o Carinhanha ou ao Ururucuia, se fazia de carro ou
caminhão. Era uma tortura, pois as estradas eram ruins ou inexistiam,
durante as chuvas. Os socorros, as emergências, passaram a ser
corrigidas por um novo compasso. Ali, existia uma benção, mas surgiu um
tormento na vida da D. Márcia de Sousa Almeida, a esposa. Naquela época
os meios de comunicação eram precários e o correio e o radio, eram as
válvulas de escape para reduzir a distância oral. Manoel de Almeida não
temia qualquer mal tempo, pelo contrário, dificilmente enxergava uma
nimbus ameaçadora. O Capitão Pedrinho era o termômetro de D. Márcia, que
acreditava na sua determinação para não levantar vôo em condições de
risco. E ele o fazia com determinação e corágem. Já imaginou um Capital
peitar um Coronel e dizer NÃO!!! Pois o Pedrinho dizia e continuava
mascando aqueles palitos de fósforo, da mesma forma, sem pestanejar,
fazendo brilhar aqueles olhos verdes, naquela tez queimada de sol. E as
orações de minha mãe se multiplicavam, quando as chuvas se tornavam mais
intensas. E o Coronel não admitia viajar junto com a esposa. Temia uma
situação de perda total, irremediável. Mas aquele bendito “pássaro
verde”, cruzou o Estado de Minas, em todas as direções, sem jamais ter
sofrido um acidente. O Capitão o tratava como um canário de estimação.
Lavava pessoalmente o Piper, trocava o óleo, fazia uma vistoria, com um
zelo digno de um carro novo Era seu xodó.
Mas a “Caio
Martins” levou o homem a novos vôos. Diante das dificuldades enfrentadas
pela Instituição, não restou outra alternativa, a não ser entrar para a
vida pública. Foi assim, eleito Deputado Estadual, com a quarta maior
votação, para a Câmara Legislativa. E agora, como se deslocar? Agora
político, as figuras mudaram. Decidiu assim comprar um avião para
atender aos seus deslocamentos entre as cidades que o apoiaram na nova
empreitada legislativa. Ai surgiu a figura do avião Cessna. Saudades do
Capitão Pedrinho. Os pilotos brotavam de todos os lados, sem que ao
menos se soubesse de sua formação aeronáutica. E foram vários. Lembro-me
do Péricles. Completamente louco. Adorava passar com o avião debaixo da
ponte de Pirapora. E o fazia com maestria e até um certo deboche. Era
uma mistura entre a competência e a irresponsabilidade. Tinha um outro
piloto que meu pai o buscava num boteco, na rua da Bahia, em Belo
Horizonte. Ele sempre estava lá tomando uma cervejinha. Na inexistência
de outro, o Coronel o pegava e seguia viagem. D. Márcia transpirava
pavor. As vezes ela ia de carro e ele de avião, para atingir os festejos
que sempre ela organizava, nas Unidades da Caio Martins. Regia o coro,
apresentava temas folclóricos, preparava a recepção para as autoridades,
organizava o almoço, enfim, dava o toque feminino e até o masculino. E
só ela o fazia com tal competência, as vezes deixando em Belo Horizonte a
filha carente das mamadas maternas, para cumprir os compromissos do
Coronel. E ele sentava no assento da frente do avião. Não me lembro de
ninguém ter ocupado aquele lugar, quando ele se encontrava no avião. Até
o Dr. Israel Pinheiro, candidato a Governador de Minas, sentou-se
atrás. Não precisa dizer do resto, mas resto mesmo. No carro mesmo, ele
se sentava ao lado do motorista e, sendo este casado, jamais procurou
saber se a esposa questionava aquele lugar ao lado do marido. O lugar
era dele, do Coronel. Ali, ele traçava as coordenadas, juntamente com o
piloto. Ele conhecia toda a topografia do Estado, com uma compreensão
cartográfica invejável. Posicionava os rios e montanhas e tirava suas
bases para atingir suas diretrizes de pouso.
Num dia desses
de urgência, necessitando ir de Brasília a Belo Horizonte, pegou um
avião de carreira e mandou, eu e duas irmãs no seu Cessna.
Como sempre, o piloto era sempre o imprevisível, o imponderável, mas
sempre surgia um. E este da vez, era piloto da Novacap, órgão do
Distrito Federal, e que se encontrava de férias ou, de licença (???).
Mas, lá fomos nós para BH, nas mãos de um desconhecido. A viagem foi um
tormento, pois o homem se perdia e demonstrava não entender as cartas
náuticas, deixando-me apreensivo. Senti que a figura não tinha muita
intimidade com o aparelho. Finalmente, nos aproximamos de Belo
Horizonte, naquele aeroporto da Pampulha, que, para um avião de pequeno
porte, era suficiente para um bom pouso. Mas não, o homenzinho, foi
abaixando o nariz do avião e descendo, descendo e descendo. Eu cheguei a
dizer que não ia dar, para levantar o avião, caso contrário bateria
naquele aterro que antecede à pista de asfalto. Pra dizer a verdade, ele
pousou, quase na quina do barranco, ainda na parte de terra, e saiu
zig-zagueando pelas margens da pista. Ficamos apavorados. O medo tomou
conta de todos nós. Chegamos e fomos à casa do nosso tio Astolfo, casado
com a irmã de meu pai e relatamos para nossos primos as barbeiragens do
piloto. Mas ficamos com receio de levar essa informação ao Coronel. Ele
estava cheio de preocupações e não senti ambiente para dizer a ele o
ocorrido. Para dizer a verdade, não me lembro mais o que eu e minhas
irmãs fomos fazer na Capital mineira. Acho que o medo deletou a
lembrança do passeio.
Dois dias
depois, voltamos ao aeroporto para retornar a Brasília. O piloto era o
mesmo. O pavor, já não era contido, era pior. Estar nas mãos de um cara
desse era pior do que montar na garupa de um motoqueiro alucinado.
Seguimos para Brasília. Mas, tinha que acontecer algo, mas algo no meio
da viagem e haja algo. O piloto começou a ter convulsões. Sim, o homem
era epilético. Eu olhava pra ele e tentava segura o mancho do avião,
numa forma de controlar a queda vertiginosa que a aeronave atingia. As
minhas noções de aviação se restringiam a meras curiosidades dos tempos
em que em Belo Horizonte se usava levar as crianças para curar o
coqueluche, num vôo de avião.Coisa de mineiro. Lembro-me de ter ido na
frente e fazendo aquelas perguntas todas que a criança faz a um piloto.
Mas creio, não tenho certeza, aquele era um “paulistinha”, avião usado
para treinamento de aprendizes de aviação. Mas continuando, o piloto
babava. Sim, babava. Minhas irmãs rezavam e muito. Uma delas falava
nomes de santo que eu nunca ouvira na minha vida, mas àquelas alturas,
eu chamaria até os parentes dos santos para nos ajudar. Percebi, que
estávamos em cima da barragem da represa de Três Marias. Sabia que lá
havia um campo de pouso, asfaltado, pois uma vez passamos por lá.
Segurei os braços do piloto, num desespero de fazê-lo voltar a si e
pouca coisa consegui. Foi então que resolvi dar-lhe um soco no rosto.
Não sei se foi essa a razão exata da volta do homem ao mundo terrestre,
ou se foram os santos que ficaram tentando decidir qual deles iria
interceder naquele episódio de previsão catastrófica. E ele perguntou:
TEM CAMPO DE POUSO? Eu lhe disse que o que o campo estava lá, naquela
posição, e indiquei, mas, creio, o avião estava perdendo muita altura.
Enxergamos então um pequeno campo de pouso, de terra, mais na parte
baixa da barragem. Era cercado por arame farpado e tinha algumas
construções próximas. Devia ser um campo improvisado, durante a
construção da Usina Hidrelétrica, e ainda em estado razoável de uso. Mas
a aeronave perdia altura a cada segundo e eu me apavorava. Minhas irmãs
já tinham desistido de chamar os santos e já choravam copiosamente,
dizendo todas aquelas coisas que as pessoas dizem nessas situações e
que, depois, não dá mais pra lembrar de nada, tais as idiossincrasias
reinantes. E o avião baixava. O homem voltava a babar e eu o ajudava a
segurar o mancho, imaginando poder colaborar de alguma forma. Mas
conclui, não existe forma nenhuma. A coisa vai explodir e não tem jeito
de evitar. E o campinho vem chegando, chegando, e aviãozinho mais
parecia abanar as asas como forma de despedida. Teoricamente, não
haveria forma de pousar balançando tanto as asas. Mas viemos, viemos, e o
campo chegando. Ao lado da pista, uma cerca de arame farpado. Será que o
avião ia caber naquele espaço do meio. Era tudo o que eu desejava.e
torcia A essa altura, nem a respiração das irmãs se ouvia. Creio que
minhas irmãs já teriam entregue suas vidas aos santos mais ajuizados. E o
avião “placou”. Expressão usada, quando ele bate bruscamente com as
rodas no chão, praticamente caindo, e não pousando. Isso que acontece
hoje em algumas companhias de aviação, quase destruindo a nossa
cervical. Bateu muito forte no chão e saiu de lado, carregando a cerca
de arame farpado, num barulho infernal. E o avião parou. Olhei para a
cara do piloto e ele não parecia ter consciência de tudo que estava
acontecendo. Da boca do piloto, escorria aquela baba nojenta. O motor do
avião ainda funcionava e a lateral direita da aeronave
estava presa ao arame e aos postes de madeira, que, hoje, creio, foram
ali colocados por todos os parentes dos santos que minhas irmãs
chamaram. Só eles iriam ter essa idéia. Mais nenhum técnico em aviação
idealizaria aquele freio.
Em pouco tempo,
desceram correndo, da barragem, algumas pessoas alarmadas com toda
aquela confusão provocada num lugar tão calmo e tranqüilo. Tiraram-nos
de dentro do avião e comentaram que estavam apavorados com o que o avião
estava aprontando no ar. Imaginaram até que o piloto estaria brincando,
tais eram as loucuras observadas. Olharam o estado do piloto e
arregalaram os olhos, como se vissem o conde drácula saindo do caixão.
Percebi que as pernas de minhas irmãs não obedeciam aos seus comandos.
Foi preciso carregá-las, até encontrar um local distante do avião para
domar o susto. Todos temiam que o avião viesse a explodir, pois vazava
gasolina e o lado direito do motor estava muito danificado. Seguimos até
um lugar, que imagino ser o acampamento dos engenheiros, onde nos deram
refrigerantes e algum alimento. E agora, como falar com nossos pais?
Não querendo dar uma notícia tão desagradável para meu pai, achamos
melhor comunicar, por rádio, meu tio Astolfo, que a retransmitiria por
telefone a meu pai. E foi assim, feito. Ele, com aquela habilidade
fantástica para dar uma notícia, contatou o Presidente da Câmara, que
presidia naquele momento uma sessão: Avise ao Deputado Manoel de Almeida
que. “seu avião caiu em Três Marias com seus filhos e, parece que não
sobrou nada”. Sutil, curto e rasteiro. O Presidente dispensou
meu pai de uma votação que ocorreria naquele instante e toda a família
seguiu de carro com destino a Três Marias, em tempo recorde. As notícias
não possibilitavam outra atitude. Àquela altura, eu já queria mais era
esquecer todo aquele pesadelo. O piloto dormia, e dormia. Junto com
alguns engenheiros, fui até a parte baixa da barragem para pescar. E lá,
ficamos por algum tempo. Meus pais chegaram e abraçaram minhas irmãs,
totalmente purificadas, diante de tantas promessas feitas, se tudo
saísse bem daquela tormenta. E vem o desespero de minha mãe. “Onde está o
Cláudio?”. Até que me encontrassem, ela viveu a sensação de perda
eterna. Mas eis que surjo, sem nenhum peixe, para a tranqüilidade geral
da família ALMEIDA.
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