INFARTE????
A saúde de meu pai
– Manoel José de Almeida,
sempre foi uma preocupação para toda a família, e por extensão, nós
filhos
sempre vivemos sobressaltados com as constantes internações. Cheguei a
imaginar
que, na infância, meu pai teria sido picado por um barbeiro. Mas infarto
mesmo,
pelas informações médicas, a cada internação, ele nunca teve. Mas tudo
tem sua
primeira vez.
O segundo filho de meu
irmão mais novo, João Lincoln, tinha acabado
de
nascer e estava tendo problemas com uma infecção hospitalar. Estava
internado há
dias e seu estado era cada vez pior. Era o Alexandre, de quem mais tarde
eu
viria ser padrinho e, que, bem mais tarde, seria meu genro, vindo a se
casar
com minha filha, Giovanna.
Naquela época, as
passagens de avião eram de tirar o couro da gente e, a opção era
enfrentar as 10 a
12 horas de ônibus, pé duro, de Brasília a Belo Horizonte. E foi
assim
que me desloquei para lá, quando recebi um telefonema do João, dizendo
que o
Alexandre não passaria daquela noite, conforme os médicos. Peguei minhas
coisas
e fui para a rodoviária e lá consegui um ônibus naquela mesma noite.
Sem tempo para passar no
apartamento de meus pais, no centro da cidade, segui direto para o
hospital,
onde estava internado meu sobrinho, na periferia da cidade. Lá me
encontrei com
meu irmão, completamente derrubado, como se diz em Minas, demonstrando
não dormir
há várias noites. A criança parecia um ratinho. Cabia dentro de uma
caixa de
sapato infantil. Tinha a cabeça toda furada por agulhas de soro, pois
não se conseguia
mais outros lugares no corpinho para as transfusões. Num canto, vi a
mulher do
João, em
profundo silêncio. As notícias não eram boas, ao contrário,
eram derrotistas, sem qualquer expectativa positiva. Discretamente, João
me
chama para conversar fora do hospital. Imaginei que iria falar sobre o
estado
do Alexandre.
Mas nada disso, João fala
de forma assertiva: você não vai ficar aqui. Papai teve um infarto em
Esmeraldas. Acabei de falar com o médico e a situação é grave. São
momentos em
que você está em cima da ponte e ela está ameaçada de cai e você tem que
decidir para que lado deve-se correr. Mas o João já havia traçado as
coordenadas. Pegamos o carro e buscamos minha mãe em casa, seguindo para
a
Escola Caio Martins, onde meu pai se encontrava. Em uma hora chegamos e
vi meu
pai prostrado na cama, consciente, mas sem demonstrar reações de
qualquer
natureza. Ele me olhou de uma forma diferente dos olhares otimistas que
eu estava
acostumado a vislumbrar em seus olhos e não senti firmeza. Muitos alunos
e
professores se encontravam na casa e davam toda atenção a ele.
Aproximei-me do
médico, que era amigo de meu pai e que, nas eleições, sempre prometia a
ele uma
boa votação em Esmeraldas, mas que na verdade esse prestígio não se
transformava em votos. Mas meu pai
gostava dele. Era um cara jovial, alegre, extrovertido e contador de
história.
E para o bem de meu pai, ele era especializado em cardiologia. Era tudo o
que
meu pai precisava naquele momento. Não me lembro do nome dele, não
importa.
Soube depois que ele se mudou para outra cidade.
E então o médico me diz
de forma explícita - seu pai teve um enfarte do miocárdio. Estou aqui de
posse
dos eletro-cardiogramas, veja. Eu olhava aqueles rabiscos
de baixo para cima, que não me diziam nada. E o médico contemplava a
minha cara
de imbecil total. Dava vontade mostrar um problema de macro-economia
pra ele – sou economista, ninguém é perfeito, para ver qual seria sua
reação. Minha mãe olhava para o João e João olhava pra mim. E aí,
Doutor, o que
fazer? Estou aqui pra colaborar no que for possível. Posso levar meu pai
para
Belo Horizonte agora? Jamais, disse ele; seu pai não tem condições
físicas para
se deslocar daqui para lugar nenhum. O estado dele é gravíssimo.
Mas Doutor, o que fazer
então, se ele aqui não tem condições de atendimento, condizente com o
estado em
que ele se encontra. É, mas ele não pode sair daqui não. Ele não
agüentaria
chegar a Betim – cidade situada no meio do trajeto para Belo Horizonte.
Fiquei desorientado, sem saber o que fazer, andando de um lado para
outro,
imaginando tudo o que me era possível para solucionar aquele impasse.
Ultrapassava os meus humildes limites de raciocínio. Disse então ao
médico que
iria a Belo Horizonte pensar numa solução. O meu desejo era levar um
médico,
com os para-médicos e ambulância equipada, para atender a meu pai. Mas
vamos
ver o que existe pela frente. Despedi do meu pai, com os olhos. Foi uma
troca
de olhar triste, muito triste, aproximando-se de um olhar de despedida.
Minha
mãe ficou ao lado dele.
Chegando a Belo
Horizonte, fomos direto para o Hospital, onde se encontrava o filho do João
Lincoln. A situação da criança era a mesma
– crítica. Meu Deus, o que fazer numa situação dessas? Um sobrinho
terminal e o pai enfartado. Minha mãe também tinha saúde frágil. Mas num
lance
de HEURECA, João disse sem pestanejar: vamos arranjar um helicóptero. A
primeira vista pareceu ser uma coisa descabida, até meio maluca. Não
tínhamos
acesso a esses meios de transporte e era, para mim, algo muito distante.
Mas
foi uma idéia. Como materializá-la!
A imaginação começa a
fruir quando lembrei-me de procurar o cunhado de minha
irmã, então Deputado, Paulino Cícero, que à época era Secretário de
Educação do
Estado. E para lá, rumei. Na frente da Secretaria havia uma manifestação
imensa
de professoras primárias, reivindicando tudo que era possível naquele
dia.
Tinha que ser. Eu não sabia nem como entrar na Secretaria. O clima era
terrível,
pois alguns funcionários, de forma estúpida, começaram a jogar água nas
professoras. A revolta se tornou
odienta, fazendo com que as palavras de ordem mudassem para ofensas e
outros
impropérios impublicáveis. Mas, diante daquela
situação, dei a volta e entrei pela porta dos fundos do prédio, buscando
localizar o Gabinete do Secretário. A Secretaria funcionava em um prédio
muito antigo,
mas uma construção “art nouveau”,
à época muito comum na cidade, uma influência da arquitetura francesa. As
parede eram grossas e não haviam colunas. O teto continha
pinturas já desbotadas, mas bonitas. Uma enorme escadaria me levaria até
a
parte superior. Lá, me identifiquei e disse ao funcionário que precisava
falar
com urgência com o Secretário. Argumentou que ele se encontrava numa
reunião
buscando uma solução para a greve dos professores e, uma saída honrável
para
aquele episódio do banho de água nos mestres. A repercussão eleitoral
para ele
seria catastrófica.
O funcionário entrou e
retornou
rapidamente, autorizando meu ingresso. Havia uma sala enorme, com uma
mesa
imensa de jacarandá, linda, rodeada de técnicos, assessores e pessoal da
segurança, enfim, mais de 20 pessoas dando palpites e eu lá, tentando
arranjar
um helicóptero. Naquela época não havia telefone na Caio Martins, e
muito menos
celulares. Então, como saber do estado de saúde de meu pai. Paulino,
como eu o chamava, me colocou sentado a seu lado na reunião
e
perguntou qual a razão daquela urgência. Relatei o problema do meu pai e
o
diagnóstico do médico-cardiologista, de que o estado de saúde dele era
gravíssimo e sua remoção de automóvel, era impossível de se processar,
pois ele
não resistiria. Paulino ficou preocupado
e perguntou-me o que estava
pensando. Comentei com ele sobre o estado de saúde do filho do João
Lincoln e
disse sobre a sugestão apresentada por ele. Um helicóptero. O
Secretário, a
princípio meditou, por alguns instantes. Em volta dele aqueles
homens cochichando uns com os outros e me sentia extremamente
constrangido,
pois havia presenciado aquela confusão na porta da Secretaria e a
pressão sobre
o Secretário era bárbara. Paulino mandou chamar seu Chefe de Gabinete,
mandando-o contatar
com o Chefe do Gabinete Militar do Governador do Estado. Francelino
Pereira era o Governador. Paulino conversou detalhadamente com o
militar, por
alguns momentos, dando uma prioridade zero ao meu problema. Disse ao
Paulino
que, caso meu pai piorasse imaginava leva-lo para Hospital
do Coração, em
São Paulo. Nem parecia que lá fora estava aquela tormenta, e,
dificilmente aqueles professores arredariam o pé dali, sem uma solução
definitiva. Paulino, concluiu a fala e me disse: o helicóptero está à
disposição de vocês. Combine a rota a ser realizada com o pessoal do
Gabinete
Militar e traga seu pai para cá imediatamente.
Quando sai do prédio, olhei para o Secretário que tinha um
semblante
sério e contraído. Como agradecer? Só um abraço fraterno. Para
ele, muitas coisas ainda estavam por vir.
Era um inferno em
sua pasta. Quanto a mim, já existia um caminho traçado.
Com tudo o que eu
precisava e queria, rumei para o Gabinete Militar e traçamos as
coordenadas com
os militares e o piloto. Peguei o João e fomos para a Caio Martins,
situada no
município de Esmeraldas. À época, a estrada era em grande parte de
terra, e
suas condições precárias. Encontrei meu pai deitado, totalmente vencido.
Relatei
a ele sobre a situação que o médico havia descrito e as providências
tomadas
para o seu deslocamento. Ele deu um sorriso: “que bom que as crianças da
Caio Martins vão poder ver um helicóptero de perto”. Conversei com o
médico, que se prontificou a acompanhar meu pai no helicóptero,
juntamente com
minha mãe. Mas o estado de saúde do Alexandre continuava crítico. Mesmo
assim, João
ainda me acompanhou até o Aeroporto para aguardarmos a chegada histórica
do
helicóptero. Quando avistamos o bichinho lá no ar, me emocionei. Descia
meu
pai, com um sorriso nos lábios, dizendo que a meninada estava toda feliz
em
poder conhecer um aparelho daqueles, de perto. Disse que o helicóptero
pousou
no campo de futebol da Escola, onde ficaram centenas de crianças e
adultos,
aguardando a saída do vôo. Foi uma festa, pela feição de meu pai,
comentando.
Conversei com o médico que ratificou seu diagnóstico em relação ao
estado de
saúde de meu pai - INFARTO. Antes, havia mantido um contato telefônico
com a médica-chefe do Hospital do Coração em São Paulo,
Dra.
Maria Helena, jovem, bonita e elegante, para uma eventual necessidade de
levar
meu pai para a Capital paulista. Era ela auxiliar direta do Dr
Adib Jatene, o papa da cardiologia no Brasil.
Mas tivemos uma agradável
surpresa. A Chefia de Gabinete, mantendo contato com o Governador,
autorizou o
envio de um avião do Estado para conduzir meu pai até São Paulo. João e o
médico ficaram em Belo Horizonte e seguimos, eu, minha mãe e meu pai
para a
Capital paulista. A viagem foi tranqüila e rápida. Nunca me senti tão
prestigiado. Estava acima do bem e do mal. Já prevendo o
problema do trânsito em São
Paulo, entrei em contato com meu sogro, à época residindo em São Paulo,
pedindo-lhe
que nos pegasse no aeroporto. Assim, o fez e seguimos direto para o
Hospital do
Coração. Fomos recebidos pela equipe de cardiologia do hospital, pois as
notícias da saúde de meu pai já haviam chegado antes de nós. Logo fomos alojados
em um apartamento, mais bem equipado do que
qualquer UTI de hospital de Belo Horizonte. Realmente, um excelente
nosocômio.
Meu pai foi levado a fazer uma bateria de exames, durante todo o dia
enquanto
eu e minha mãe aguardávamos no apartamento. Uma gripe forte, começou a
tomar
conta dela. Mais essa. Ela estava muito fragilizada e eu precisava que
ela
estivesse bem para acompanhar meu pai, pois eu teria que providenciar a
papelada para a internação de meu pai. Eram documentos de INPS, seguro
saúde,
enfim, coisas que o hospital exigia para a internação e, naturalmente o
ressarcimento das despesas, que ali, não seriam poucas. Mas minha mãe
piorava
cada vez mais e terminou prostrada na cama do hospital, tendo eu que
chamar
médicos para atende-la.
Mas a expectativa em
relação aos exames era cada vez maior. O quadro pintado pelo médico de
Esmeraldas era o pior possível. Comuniquei a todos os irmãos a situação
de meu
pai, para que se preparassem para o que pudesse a vir
a ocorrer. Meu pai parecia ser o mais tranqüilo de todos. Estava com uma
fisionomia boa e se alimentava bem. O problema agora era D. Márcia, com
aquela
gripe fora de hora. Eis que entram no
apartamento o Dr. Adib Jatene, Dra. Maria Helena e mais uns três homens
de
branco, que imaginei serem também cardiologistas. Olhei para Maria
Helena e ela
sorriu. Era difícil àquela altura interpretar aquele sorriso. Nem Mona
Lisa
tinha aquele sorriso. Indescritível. Dr. Jatene se aproxima do leito de
meu pai
e diz. O SENHOR NÃO TEVE INFARTO !!!!!! Eu
não entendi nada. Havia levado os eletros
e entregue, juntamente com outros exames e descrição de procedimentos
realizados, ainda na Caio Martins. POIS É, confirmou ele,
NÃO FOI INFARTE. O senhor tem o coração bastante dilatado. Se tivesse
que fazer
algo, seria um transplante, mas isso seria em última hipótese. Olhei
para Maria
Helena e entendi o seu sorriso. Ela acompanhou meu desespero em todos os
momentos em que estive no hospital. Ela almoçava e lanchava no hospital e
sempre nos encontrávamos para falar sobre o episódio. Despediram de meu
pai e
deixaram o apartamento. Ficamos, eu, minha mãe e meu
pai olhando um para a cara do outro. Patéticos.
E AGORA? O que vamos
dizer pra todo mundo. Pro Governador, pro Secretário, pro João
Lincoln, para os irmãos, para os alunos e
funcionários da Caio Martins, para a criançada que viu meu pai sair num
helicóptero. E o médico, como é que vai ficar nessa história. Falamos e
falamos
e meu pai ouvia e esboçava um sorriso jocoso. Acho que ele foi o único a
curtir
todo aquele estado de coisas. Vendo que não havia uma solução plausível
para o
caso, convenci meu pai a assumir toda aquela história. Para todos os
efeitos,
ele o senhor teve um INFARTO. Vai passar uma temporada aqui no hospital e
depois vai para a casa de
minha irmã, em Bragança Paulista, curtir o descanso merecido do velho
guerreiro.
Mais tarde, ligamos para
os irmãos dando boas notícias, e recebemos a informação do João de que o
Alexandre teria recebido alta no hospital.
Mas são tantas as
histórias, lembranças interessantes, até engraçadas, outras tristes, na
trajetória de vida de meu pai, mas, com certeza posso dizer que sinto-me
orgulhoso ao falar que sou filho de um POLÍTICO. O
POLÍTICO MANOEL JOSÉ DE
ALMEIDA.
CLÁUDIO ANTÔNIO DE
ALMEIDA – segundo filho do casal Manoel de Almeida/Márcia Almeida.
Economista e Advogado.
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