quinta-feira, 1 de março de 2012

Depoimento de Ana Maria Lopes


Ele vinha com aquele andar de pés aberto. Sempre uma pasta de papel em baixo dos braços. Nas pastas, seus sonhos. E caminhava com a calma dos sonhadores.

Essa é uma imagem recorrente quando penso em Manoel de Almeida. Seus sonhos eram tão fortes e verdadeiros que nada o perturbava. Nas pastas, dezenas de projetos de lei em benefício da criança carente e abandonada. Páginas de discursos, anotações, recortes de jornais e projetos. Muitos.

Aquelas pastas, organizadas com uma ordem muito pessoal, só ele as entendia. Ao redigir ou ditar um discurso, parava por segundos e tirava de dentro daquela babel de papeis, uma anotação tão precisa, tão correta, que arrematava seu pronunciamento com fecho de ouro.

Nada o tirava de Minas. Sua mineirice aparecia na simplicidade que o acometeu a vida inteira. Um homem que falava e vivia com sua gente. Nem mesmo em andanças pelos palácios da República, Manoel de Almeida se desvestia de sua simplicidade.

O melhor exemplo do que falo aconteceu em uma tarde em seu gabinete na Câmara dos Deputados. Ele esboçava seu relatório da CPI do Menor. Ao seu lado, além das colunas de papel, uma pequena cesta com tangerinas que trouxera de um pequeno sítio em Taguatinga.

Pela porta de vidro vi que um homem baixo e meio cabisbaixo caminhava na nossa direção. Quando ele chegou perto vi que era o então deputado Tancredo Neves – ex primeiro ministro da nossa rápida passagem pelo parlamentarismo, ex senador, ex ministro e tantos cargos mais -.  Corri para a sala onde Manoel de Almeida estava para avisar da ilustre visita. Não deu tempo. O também mineiro Tancredo Neves, que viria a ser presidente do Brasil como candidato da Aliança Democrática, entrou sem maiores avisos. Os dois se cumprimentaram e eu fui correndo avisar à copa para levar café e água. Mas nada de copos de plástico, por favor! Usem o serviço de louça, pedi.

Voltei ao gabinete quase ao mesmo tempo em que chegavam a água e o café, como pedira. Ao entrarmos na sala – o garçon e eu – não acreditamos no que vimos.
Manoel de Almeida e Tancredo Neves conversavam relaxados no pequeno sofá do escritório e os dois – sim, os dois – descascavam e comiam tangerinas como meninos em recreio.

Aqueles dois mineiros viviam ali a sua simplicidade. E o cheiro da fruta, as cascas colocadas em cima de uma folha de jornal e a conversa política sem rodeios, virou para mim a imagem do homem: Manoel de Almeida



                             Ana Maria Lopes

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